o Retrato fiel

 ~ Império, ouro, Europa. 500 anos a falhar ~

Não por acaso, o Presidente da República associou o ouro do Brasil aos fundos comunitários. Olhando-se para o gráfico abaixo, percebe-se o ponto: o momento em que o rendimento de um português mais se aproximou da média europeia aconteceu nos Descobrimentos. Mas nem aí a riqueza chegou à maioria. A mediania instalou-se ao longo dos anos e a pobreza agrava-se na primeira metade do século XX, fruto das sucessivas implosões políticas e do atavismo da ditadura. É com a entrada na União Europeia que o nosso produto interno bruto (PIB) melhora, mas pouco. Em retrospectiva, vê-se que não há um único século que sirva de exemplo. Isso quer dizer que algo de mais intrínseco se passa connosco.

Razões. A geográfica – a eterna periferia –, com o consequente atraso na chegada do conhecimento e inovação. Só que não somos os únicos ligeiramente periféricos, porque o poder é que molda o processo e progresso. Ora, tivemos regentes e políticos sem qualidade ao longo de cinco séculos? Cortes diletantes? Falta de elites científicas? Há-de ser tudo isto e muitos outros factores – uns puxarão pela eterna ausência de qualificações, outros pela ideia de que a corrupção (dos outros) nos torna pobres. Há ainda o centralismo imperial e, para os mais eruditos, a “falta de projecto” nacional.

A verdade é que os números do PIB, se não medem a qualidade de vida, demonstram o baixo rendimento. E para uma vida economicamente melhor só emigrando. Facto que até os (literariamente) menos instruídos intuíram há muito e foram vender o seu ofício para outras paragens.
Migrar tem ainda esta faceta.
A diferença de rendimento entre o vale do Tâmega e Sousa, a região mais pobre de Portugal, com apenas 48% do rendimento médio europeu, e a Área Metropolitana de Lisboa, que, em regra, ronda os 120%, mostra a assimetria de um pequeníssimo país.
A reiterada concentração nas áreas metropolitanas resulta dessa fuga à pobreza, agora agravada no Interior pela baixa natalidade.

Mas este artigo pretende sobretudo chegar à questão dos ‘novos’ fundos comunitários como próxima quimera. Eis-nos à espera dos “milhões de milhões”.

Desde a adesão à CEE (1986) até 2018, recebemos mais de 130 mil milhões de euros de fundos, segundo o Banco de Portugal. Vamos receber nos próximos 10 anos (PRR + Portugal 2030) mais de 60 mil milhões. São quase 200 mil milhões – aproximadamente o valor do PIB português de 2020. Ou seja: em 55 anos (1986-2031), 200 mil milhões tentam fazer uma transformação económica. Os resultados mostram, porém, que não mudam a essência do país. O dinheiro entra e sai e o rendimento per capita não cresce. Porque Portugal – todos os estudos o indicam – é altamente avesso ao risco. Depois de D. João II, o empreendedorismo não voltou.
Pelo contrário: o país está manietado pelos lobbies e forças de protesto, que exigem crescentes distribuições de rendimento a seu favor, mesmo que este não seja gerado (daí a eterna dívida estrutural).
A agravar a deriva, há pouco capital português e quase já não há grandes empresas detidas por nacionais (as excepções são Sonae e Jerónimo Martins, duas marcas de grande comércio, quiçá uma herança enraizada nas Descobertas). Os bancos já não são liderados por capital português (à excepção da Caixa, cuja aversão ao risco é superior à dos privados, estrangeiros). E na energia resta uma parte da Galp. Vingam o imobiliário e o turismo, como investimentos defensivos, e a herança de Amorim na cortiça.

A economia real, no entanto, é o grosso do pelotão. É quase toda ela de tamanho micro. O ambiente social na qual opera suscita essa timidez: os que ainda querem criar empresas, ou fazê-las crescer fora do paradigma habitual, são chamados a contextos de permanente incerteza económica, com mudanças de regras sucessivas no enquadramento fiscal e legal. Pede-se-lhes que conquistem o mundo pelas exportações e inovação em nome de todos. Mas se falharem ficam esmagados pelas consequências económicas e sociais do insucesso.

Ora, isto foi sempre assim. Entre o atavismo nacional e o activismo dos que estão próximos do poder (o BES é o exemplo máximo sobre quem fomos/somos nos séculos XX e XXI), Portugal é intrinsecamente uma nação situacionista, sem reconhecer que arvora, mas não interioriza, o “navegar é preciso, viver não é preciso”. E, aqui chegados, mudar económica e ambientalmente é preciso.
... mais 500 anos disto não vale a pena.

. Daniel Deusdado, 13.06.2021 - DN




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