As férias com o meu avô
Simão (quase com 17 meses de idade)
Nas férias fomos para a Meia Praia, porque o meu avô não gosta de viajar e eu ainda sou muito pequenino e preciso que me mudem as fraldas — e o meu avô também não gosta de mudar fraldas.
Íamos logo de manhã, para evitar o Sol mais forte e os “caparicas” e os “vacanças” — que eu não sei bem quem são, mas o meu avô não gosta muito deles. Pelo som das palavras, acho que os primeiros devem ser umas capas para caricas de garrafas e os segundos umas vacas cansadas… mas não sei — ainda sou pequenino.
Eu gosto muito de motas, mas tenho medo do barulho que fazem; por isso, o meu avô não me levava na mota dele, mas sim no automóvel. Estacionávamos no parque da Duna e o meu avô pagava 3€ de estacionamento para o dia inteiro — era uma ajuda para a Cruz Vermelha, dizia ele. Mas franzia aqueles bigodes pequeninos que tem por cima dos olhos e dizia que aquilo era como estar em Miami, onde também se paga estacionamento… e até entrada na praia! Ainda assim, agradava-lhe — pois dizia que parecia estar de férias nos mares do Sul. E estava, porque a costa do Algarve é a costa Sul de Portugal — embora eu ainda não saiba dessas coisas de Geografia, porque sou pequenino.
Como o meu avô não gosta de ficar muito tempo na praia — não mais de uma hora — deixávamos o carro no parque, à sombra, e vínhamos almoçar a casa, a pé. Quer dizer: o meu avô vinha a pé… eu vinha montado numa espécie de albarda que ele carregava, e vinha muito feliz, esporeando a minha provecta montada bípede. Ele fazia isto para aproveitar bem o estacionamento pago. Dizia que passar férias num destino turístico exótico é caro — e, por isso, temos de rentabilizar cada cêntimo.
À tarde, depois das 17 horas, voltávamos à praia, refazendo a caminhada de dois quilómetros, e regressávamos ao buraco enorme que o meu avô escavara de manhã no areal, a que chamava um castelo — onde eu devia reinar durante aquele dia de praia. Era também uma piscina, mas só durante os segundos em que a água ali ficava, antes de desaparecer… não sei se evaporada pelo calor, se sumida na areia. Porque sou pequenino — e não sei dessas coisas.
Ora, claro que queria! Eu adoro brincar com bolinhas. Mas o que ele tirou foi um bolo castanho, com um grande sorriso em boca aberta, deixando ver uma língua amarela e derretida.
Afinal aquilo comia-se. E era saboroso! Mas eu não vira o homem entregar nada ao meu avô…? Só mais tarde percebi: o meu avô não gostava de pagar caro o que podia comprar mais barato — e para não dar 1,70€ por uma bola de Berlim, comprava-as no hipermercado por 75 cêntimos cada, levava-as para a praia, e fingia que as comprava ao homem que passava para cima e para baixo, esbaforido e esfalfado, a vender bolinhas de massa recheadas com doce de ovos.
O meu avô divertia-se muito. E apreciava as meninas grandes que se aproximavam de mim e, por vezes, me pegavam ao colo. Eu também gostava daquele contacto… mas o meu avô vibrava com aquelas interacções, e avisava que eu às vezes era malandro e metia as mãos onde não devia — e exemplificava para as meninas perceberem melhor. Elas não achavam graça nenhuma… e iam-se embora rapidamente. E eu voltava à minha ocupação principal: atirar areia ao ar com a pá amarela.
Por vezes, também passava um automóvel pintado com cores garridas, cheio de bóias, cabos e outras coisas para salvar pessoas que adormecessem no mar. O meu avô dizia que aqueles senhores não queriam poluição no mar — e por isso andavam sempre para cá e para lá, a ver se havia gente a dissolver-se nas águas.
Havia também muitos meninos e meninas com tábuas de passar a ferro presas ao tornozelo, que subiam para cima delas e escorregavam nas ondas — o que era giro, mas durava pouco tempo, porque eles ainda não tinham equilíbrio. Tal como eu, que sou pequenino e só dou quatro passinhos de cada vez.
Ao Domingo havia mais pessoas na praia — muitas com telhadinhos de pano às cores, muito juntinhos uns dos outros. Devia ser para se aquecerem… pois andavam quase nus. E sem fralda!
No último dia das férias, o meu avô levou-me a almoçar a um restaurante ali mesmo, na praia. Não tinha muitas paredes, mas tinha sombra… e água para beber. Ele pediu uma cadeira alta, para eu ficar ao nível da mesa. O senhor do restaurante trouxe uma. O meu avô deu-me a ementa para eu escolher — mas como ainda não sei ler, porque sou pequenino — ele foi imitando os sons dos animais listados nos menus. E se foi engraçado com os porcos, galinhas e vacas… imaginem quando passou a imitar os peixes: tamboril, faneca, salmão, pargo! Toda a gente se desmanchou a rir… e eu também me ri muito — mesmo sem perceber porquê, porque sou pequenino e não entendo estes disparates dos adultos.
E eu sorria — sem perceber que ele me estava a culpar pelo acidente. Porque ainda sou pequenino… e não percebo nada destas maldades do mundo dos grandes.
Eu gostei muito das férias com o meu avô.
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