Os senhores cágados sem acento

 


É a agenda da miscigenação mundial que dita a abertura das fronteiras e a tomada ‘pacífica’ dos territórios por outras culturas. Eu escrevi pacífica, mas com conflitualidade na medida em que os povos receptores ainda não estão disponíveis para desistir das suas culturas e tradições.

Este processo é um desígnio dos descendentes dos colonizados que, supostamente, visa esbater as diferenças raciais e culturais, estabelecer um equilíbrio económico entre mais ricos e menos ricos, e edificar uma nova civilização sem os entraves que no passado foram pretexto para conflitos e para a exploração de uns por outros.

Para executar tal desígnio os activistas entendem fundamental destruir a cultura histórica e a memória épica dos povos, agora, receptores, derrubando as suas construções identitárias que foram erguidas ao longo da História. É verdade que muitas dessas construções foram produzidas num cenário de afirmação de estados e regimes políticos, mas todas elas remetem para um passado em que o fervor patriótico e abnegação individual atingiu, até, a renúncia à própria vida em prol de um projecto colectivo nacional. E as caminhadas e lutas em comum ocupam um espaço marcante na vida e na memória dos indivíduos.

Porém, se alguns povos têm aceite essa impregnação mescladora sem muita resistência, sobretudo porque vegetam no atavismo e na alienação que a riqueza económica lhes tem proporcionado, outros mantém-se firmes na defesa da sua cultura, sendo, por esse motivo, apodados de xenófobos, racistas, fascistas e, até, nazis, pelos activistas da igualitarização das sociedades, como se isso constituísse uma etapa racional do progresso da humanidade. As experiências do materialismo dialéctico e dos socialismos totalitários já demonstraram o insucesso desses dogmas niveladores.

A Suíça e a Áustria, apenas como exemplo, são dois resistentes opositores a essa diluição da cultura que os identifica, mas que não representam qualquer percalço para estes activistas, porque eles sabem que o tempo corre a seu favor e a necessidade de mão-de-obra, obviamente proveniente de países pobres, irá operar a almejada conversão em todas as nações, incluindo as mais renitentes. É apenas uma questão de tempo.

Mas para os conflitos radicados na animosidade e intolerância religiosa os tais activistas não têm solução, já que nunca será exequível uma fusão ou união das várias fés, mormente das mais pujantes ainda que possuam a afinidade de partilhar a mesma divindade.

Considerando as disputas territoriais antigas e outras que vão surgindo, e as relacionadas com o acesso ao recurso água, que irão agravar-se em todos os continentes, também em consequência das alterações climáticas, o futuro deste planeta afigura-se muito sombrio.

A capacidade militar de destruição maciça que nove ou dez países possuem hoje, alguns deles avessos a qualquer tipo de democracia e reiterados violadores dos mais elementares direitos humanos, aliado ao facto de cada vez mais os decisores e dirigentes serem destituídos de sabedoria, constitui, para estes povos e os seus líderes, alguns deles lunáticos, uma instigação crescente ao uso dessas armas nucleares para resolver conflitos que entendem insanáveis.

A apoiar este desígnio dos ‘revoltados’ do mundo ‘inferior’ encontram-se milhares de indivíduos das sociedades ‘desenvolvidas’ ocidentais que pretendem reparar aquilo que consideram como erros da História, assentes em desumanidades de uma Europa que partiu à descoberta do resto do globo, transportando o pensar de então feito de convicções religiosas, cobiças de metal precioso e esperanças de riqueza ou, simplesmente, de uma vida melhor que os libertasse da escravidão da pobreza; tudo isto como se fosse possível julgar as acções dos séculos XV ou XVIII com os valores actuais. Um desses casos é o da “reparação histórica”, uma manifestação de perigosa ignorância, já que não se emenda o mal feito umas dezoito gerações depois.

Passo a palavra ao historiador João Pedro Marques:

«…que gritante injustiça é que o movimento woke pretende corrigir? Que insuportável desumanidade é que quer proibir? Agora que já não há tráfico transatlântico de escravos nem escravidão, felizmente, o que querem os wokes para irem assim repescar uma receita antiga? O que alegam para tentar vender gato por lebre? Dito de forma simples, o wokismo quer fazer do tráfico transatlântico de escravos e da escravidão nas Américas uma espécie de imagem de marca da expansão ultramarina europeia, quer fazer-nos crer que a escravatura por si só representa e resume essa expansão, e quer emendar, reparar, as suas consequências, ou seja, quer que paguemos novamente por elas e que aceitemos e adoptemos outra memória desses acontecimentos. E, à maneira dos abolicionistas de há 200 ou 250 anos, injectam informação — seleccionada, claro — e culpabilidade como primeiros motores da sua iniciativa, certos de que elas trarão arrependimento e reparação como trouxeram no passado. Por outras palavras, reactualizam e reactivam velhos sentimentos de culpa e de vergonha [cumprindo o circuito]: tomada de consciência do crime; depois, o remorso; por fim, a reparação.

Os wokes nacionais também martelam as teclas da culpa e da vergonha e não escondem a esperança de que elas frutifiquem no nosso jardim á beira-mar plantado. E é efectivamente possível que isso aconteça. Não entre as pessoas da minha geração e da geração anterior, que fizeram a guerra em África e o 25 de Abril, mas nas gerações mais novas, muito expostas e permeáveis, nas escolas e fora delas, ao wokismo. Há mais de duas décadas que me insurjo contra essa ideologia e, nos últimos anos, tenho-me esforçado por dizer a quem me lê que deve ter cuidado com a absorção emocional de culpas históricas. Essa coisa de culpar as pessoas por coisas feitas por gente da mesma terra ou nação num distante passado tem precedentes sinistros. Pense-se, por exemplo, na Idade Média e nos muitos judeus que foram culpabilizados pela morte de Jesus e trucidados por isso.

O que está em causa, não é apenas a verdade acerca do passado. É, também, a própria segurança actual e futura do Ocidente. Por isso, eu gostava que os meus leitores se lembrassem do seguinte: os wokes nacionais estão convencidos de que haverá, em Portugal, muitos pecados por redimir e muitos descendentes de escravos por compensar. E na cabeça deles até haverá. Felizmente é só na cabeça deles. A nossa não é obrigada a enfiar essa e outras carapuças.»

Por culpa do tempo, incerto entre preguiçoso, chuvoso e ventoso emito este sermão de São Francisco sobre os cagados.


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