Rangi os dentes de bruxismo

 


Fui à bruxa, bati à porta e ouvi uma voz cavernosa perguntar lá de dentro: - QUEM IÉ?
Para mim aquilo chegava e dei meia volta para bazar, mas depois pensei: É bruxa, não é vidente, não pode adivinhar quem está a bater.

Ainda assim, levei tempo a responder, enquanto me passava pela memória a imagem que tinha de bruxas, feiticeiros, videntes, curandeiros, tudo o que a crendice lusa criou ao longo de séculos. Há quem diga que esta ideia de bruxaria fantasmagórica acabou com os tempos modernos, com a iluminação pública. Eu tenho dúvidas, porque a energia eléctrica falha muitas vezes, e sem qualquer motivo.

Respondi timidamente: - Sou eu. Como que afirmando que era um indivíduo humano e não uma alma penada ou um demónio que batia na porta; e sem revelar mais do que isso, não fosse sair lá de dentro uma labareda gigante que me transformasse numa tocha viva. Temia eu.

Abriu-se o postigo da porta e um rosto congestionado pela gota, ou pelo álcool, espreitou e disse: - Aqui não se faz negócio, cura-se gente.

Perante a minha mudez a mulher abriu a porta e convidou-me a entrar. Era uma casa moderna, parecida à minha e nem a presença do gato preto assinava a condição de bruxa da mulher; ou seríamos todos bruxos lá em casa, considerando que os três gatos que integravam o meu lar também eram pretos.

Entrei, com três pequenos passos e a minha mente regressou à viagem que tinha iniciado segundos antes. Longe estávamos, até recentemente, de percebermos a dinâmica quântica que opera a nossa energia e cria a realidade em que vivemos, tal como afirmavam as antigas filosofias. Hoje, a informação não falta e o que antes estava oculto, está agora à luz do dia na Internet e nas redes sociais, as verdadeiras universidades da actualidade. Ali se discute, ensina e aprende astrologia, cartomancia, quiromancia, parapsicologia, xamanismo, espiritismo, tudo o que é próprio do mundo oculto e esotérico, revelando, entre outros, os ensinamentos de Hermes “O que está em cima é igual ao que está em baixo e o que está dentro é igual ao que está fora”. Estranho axioma, este, que contraria os princípios herméticos do inventor Nicolas Appert. Mas, enfim… esta é uma ciência do outro mundo.

Enquanto a mulher debruçada sobre uma mala enorme retirava fumo de ervas, rezas, magnésio, cinzas de pelicanos, esconjuros, pestanas de salamandra, sal amargo e a asas de morcego, eu deixava a mente vaguear por inesperadas considerações: não há nada mais triste no ser humano do que o grau de inconsciência espiritual em que vive, agarrado às velhas ideias de que o mal vem de fora e de que somos apenas vítimas dele, e que não temos nisso responsabilidade alguma, como se não nos animassem energias capazes de atrair ou reprimir outras energias positivas, ou negativas.

E de repente assaltou-me a ideia acerca da natureza e paradeiro da bruxa que procuro para resolver os meus problemas; estará ela algures lá fora no mundo, ou mesmo nesta porta a que bati, ou estará afinal dentro de mim?!

Imaginei imediatamente como poderia estabelecer-me como bruxo, talvez ambulante se adquirisse uma autocaravana. Isso é que era, uma autocaravana e consultas a 100 paus.

Saí de casa da bruxa, curado.


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