O Tempo não existe. Tudo está a acontecer agora.

 

Do ponto de vista da física moderna (especialmente da relatividade), o tempo não é absoluto: não existe um “agora” universal. O que definimos como “presente” depende da posição e velocidade do observador. Em certas interpretações da física, como na do bloco espaciotemporal (eternalismo), o passado, o presente e o futuro coexistem num mesmo “bloco” — e o que percebemos como fluir do tempo é uma ilusão da consciência. A sequência cronológica, nesse sentido, não passaria de uma construção subjectiva. 

A filosofia oriental (por exemplo, algumas correntes do budismo ou do advaita vedānta) e até místicos cristãos e islâmicos defendem que o tempo é uma manifestação da mente. Só existe o presente, pois só no agora a experiência é possível. Tudo o que vivemos — memórias, expectativas, narrativas — acontece no palco da consciência presente. O passado vive na lembrança, o futuro na antecipação; ambos são actos mentais no agora.

Aceitar que “tudo está a acontecer agora” pode ser libertador. Liberta-nos da tirania da nostalgia do passado e da ansiedade pelo futuro. Aproxima-nos da experiência directa da realidade, da atenção plena. Ao mesmo tempo, há um toque de vertigem nesta ideia: se tudo já “é”, o que acontece com o livre-arbítrio, com a esperança de mudança?

Do ponto de vista esotérico — sobretudo nas tradições herméticas, rosacruzes, teosóficas e maçónicas — o tempo linear é considerado uma ilusão do plano material. No plano espiritual ou “plano da eternidade”, tudo existe em simultâneo. Aquilo que percepcionamos como passado, presente e futuro são apenas aspectos fragmentados da totalidade, observados por uma consciência ainda condicionada pela matéria e pela forma.

Na simbólica maçónica, especialmente nas tradições do Rito Escocês Antigo e Aceite e do Rito Francês, o “Grande Arquitecto do Universo” é um princípio que transcende tempo e espaço. Ele não actua dentro da cronologia: Ele é. O Eterno Agora é o seu domínio. O Aprendiz é iniciado no tempo, no limiar do conhecimento, mas o Mestre, se for tal, reconhece que o Templo verdadeiro só pode ser edificado fora do tempo: no coração desperto, na consciência iluminada.

O símbolo do ponto no centro do círculo, imagem arquetípica comum à tradição pitagórica, hermética e maçónica, representa essa relação entre tempo (o círculo, o movimento, a roda de Samsara) e o eterno (o ponto imóvel no centro). O tempo é a ilusão do movimento em torno do centro. Mas o centro está sempre aqui. Sempre agora. O iniciado começa por medir o tempo (com o esquadro e o compasso), mas, com o progresso iniciático, é convidado a ultrapassá-lo, como quem abandona o número para tocar a geometria viva do espírito.

As escolas esotéricas mais antigas falam da possibilidade de aceder à “memória do mundo” — os Registos Akáshicos, na linguagem teosófica. Para aceder a tais níveis, o iniciado não precisa viajar no tempo: precisa silenciar a mente. Quando o Eu inferior se cala, o Eu superior emerge e nele, todo o conhecimento está presente.

A edificação do templo interior, obra central da tradição iniciática, não ocorre no tempo cronológico, mas no Kairós: o tempo qualitativo, sagrado, oportuno. Há momentos no caminho em que o tempo parece suspender-se, como no silêncio da câmara de reflexão, no bater de um maço ritual, na escuta atenta de uma palavra velada. Aí, o tempo cessa. E o espírito recorda-se de si.

 

Um micro-conto a propósito.

Na pequena cidade, em tempos branca, entre a serra e o mar, que chamavam Lagos, vivia Francisco, um homem de aparência comum, mas com olhos que guardavam um lume antigo. Era tido por excêntrico, falava pouco, caminhava devagar e tinha o hábito de olhar o céu como quem lê um livro esquecido ou pasma com a forma das nuvens, ensimesmado na pareidolia.

Dizia-se que possuía um dom raro: podia viajar no tempo. Não nos lugares, apenas no tempo. Os vizinhos contavam, entre sorrisos e espantos, que já o tinham visto junto aos frades franciscanos do século XVII, no meio das colunas do mercado romano, e até ao lado do Infante, observando a saída das barcas e caravelas.

Certa noite, quando a lua ia alta sobre a enseada, Francisco entrou na antiga biblioteca que os homens haviam deixado ao abandono. Era ali que ele consultava um livro sem título, de capa de couro, cujas páginas surgiam em branco até que ele as tocasse com os dedos. O livro abria-se ao acaso e, com cada toque, ele era projetado para um outro tempo.

Mas certa noite, algo mudou. Ao folhear o livro, não surgiu nenhuma nova página. Em vez disso, ouviu o som de água a correr e quando se voltou, viu emergir da sombra uma jovem de olhos cor de âmbar e cabelos como algas soltas ao vento. Trazia nos ombros um manto molhado e nos dedos anéis de prata corroída.

— Vens de longe? — perguntou Francisco.

— Venho de dentro — respondeu ela. — Sou filha do Mar Interior. Guardo as chaves do que é antes e depois, acima e abaixo. Tu buscaste o tempo, Francisco, e o tempo mostrou-te apenas espelhos. Queres agora conhecer o que está para além disso?

 Francisco anuiu em silêncio. Sentia que algo dentro de si, algo antigo e verdadeiro, o chamava.

A jovem tocou-lhe a fronte e disse uma palavra que ele não conseguiu recordar. Nesse instante, tudo se dissolveu. Os séculos, as vozes, os cheiros e os símbolos. De repente, Francisco já não via o tempo: via-se a si mesmo. O livro não estava nas suas mãos, mas no centro do seu peito. As caravelas que tanto desejara navegar estavam nos seus próprios ossos. Os povos e culturas que visitara eram manifestações da sua própria alma. E compreendeu. O tempo não existia.

Todas as viagens que fizera eram recordações adormecidas da sua totalidade esquecida. O templo, o mar, os mapas, as espadas, as palavras dos sábios — tudo vivia em simultâneo naquele instante eterno a que os antigos chamavam agora.

Francisco saiu da biblioteca como quem regressa de uma longa iniciação. Os homens da vila já não o reconheciam — não porque o seu rosto tivesse mudado, mas porque ele deixara de ser um fragmento.

Passou a viver discretamente. Cultivava ervas (e consta que também as fumava), lia aos jovens histórias com símbolos ocultos e observava o pôr-do-sol com uma reverência que muitos julgavam melancolia. Mas havia quem dissesse que, por vezes, a seu lado surgia a figura de uma mulher molhada (ou palpavelmente húmida?), que sorria como quem guarda um segredo — e que quando os dois olhavam o mar, o mar lhes devolvia o olhar… e borrifos de espuma salgada.




 

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