Há nações que vivem do petróleo, outras do turismo, umas da indústria pesada, outras da ligeira, algumas da finança engenhosa, outras da agricultura extenuada. Portugal, país de navegadores reformados e influencers virtuais, vive de uma arte mais subtil e profundamente refinada: a arte de parecer miserável sem abdicar da pose de novo-rico.
É um milagre moderno. ou melhor, uma tragicomédia ibérica com encenação permanente, que um país cuja indústria se resume, em boa parte, ao aluguer de quartos com cheiro a mofo e sombreiros de praia fabricados na China, consiga manter em funcionamento um sistema público que faz inveja à Disneylândia, com a única diferença de que na Disneylândia os bilhetes são pagos e os castelos têm utilidade. O turismo tem o seu lugar, mas Portugal precisa de uma economia diversificada, mas como se os decisores não possuem um cérebro eclético?
A agricultura? Ah, essa nobre tradição. Serve hoje sobretudo para cultivar subsídios, colher candidaturas e plantar painéis fotovoltaicos entre dois sobreiros ameaçados por uma vara de suínos de aspecto suspeito.
Ainda assim, o país lá vai erguendo faraónicos estádios de futebol e investe alegremente em voláteis centrais de hidrogénio; encomenda esculturas públicas com preços de penthouses, como a simpática aberração de 1,25 milhões de euros em Oeiras, uma espécie de homenagem ao desperdício com formas artísticas.
E que dizer do nosso venerável Banco de Portugal, que, por pudor de pensar sozinho, decidiu pagar 245 mil euros em consultoria financeira durante dois meses, porque a banca é uma ciência oculta, e mais 190 mil para saber como se gere... um banco. Com essa lógica, brevemente teremos consultores para ensinar ministros a despachar e deputados a estar acordados.
O auge, porém, é o presidente do Inatel, que teve o bom gosto de pagar cinco mil euros para se fazer entrevistar por uma revista que até é distribuída como peça de publicidade em encarte de periódico nacional. Nada mais natural num país onde se financia o ego como se fosse infraestrutura crítica.
Quanto às regalias dos altos cargos públicos, é melhor não mexer, não por falta de coragem, mas por não caberem num ficheiro Excel. Fala-se de carros com motorista, cartões mágicos, reformas aos quarenta e um, e dietas que alimentam vícios mais do que o corpo. Versalhes em dia de gala pareceria, ao pé disto, um retiro franciscano.
Endividados até ao tutano, e também nas futuras encarnações (em caso de reencarnação fiscal), os portugueses olham para os fundos europeus com a fé de um peregrino e a sofreguidão de um glutão. Bruxelas, essa espécie de fada-madrinha tecnocrática, tornou-se mãe, pai, padrinho, mecenas, terapeuta e, às vezes, esposa violenta. Quando a produtividade falta, aparecem compensações. Quando a nação tropeça, vêm cimeiras com folhetos coloridos e discursos em PowerPoint com muito impacto e pouco conteúdo.
É verdade, produzimos pouco. Ou mal. Mas, convenhamos, produzimos com arte. Há pareceres para tudo: desde como estender a toalha na praia sem ferir a biodiversidade, até ao impacto ecológico de uma sardinhada. Planos estratégicos há tantos que se podia construir um aeroporto com eles, e se calhar ainda é isso que vai ser feito – esperemos, porque sairá mais em conta.
Onde faltam tractores, sobram consultores. Há mais projectos que projectistas, mais diagnósticos que médicos e mais reformas anunciadas do que tentadas e, menos ainda, realizadas.
No meio de tudo isto, o cidadão comum, esse Quixote sem cavalo, mas com crédito à habitação – existindo habitação – vive num estranho equilíbrio: acima das suas possibilidades, mas sempre aquém das suas exigências. Quer saúde gratuita, educação gratuita, transportes gratuitos, justiça célere (um devaneio romântico), pensões justas, reformas aos sessenta e jantares fora ao fim-de-semana. E tudo isto pago, claro, pelos impostos de alguém mais organizado, mais a norte, e preferencialmente com nome terminado em “…mann”.
Entre uma greve dos professores, outra dos transportes, uma da função pública, outra vez dos professores porque não tinham terminado a anterior, e mais uma dos transportes só para marcar posição, o país vai resmungando com distinção. A culpa é sempre do passado: colonialismo, neoliberalismo, o Salazar, o FMI, o euro, ou a troika, ainda. Quando se quer culpar alguém próximo, há sempre o Governo ou os sindicatos, depende da disposição, ou da posição.
Portugal é, assim, uma sinfonia barroca desafinada, mas tocada com entusiasmo: endividado com graça, improdutivo com método, e pobre com requinte. Um país onde se vive como se o amanhã fosse um detalhe técnico, e onde se confia que alguém, algures, com paciência e fundos, acabará por pagar a conta. As reformas que o País precisa, nenhum Governo as faz. E não há estratégias, nem planeamento, nem ideias; só há a mão estendida de um país que se resignou a ser pedinte. Em suma, Portugal é um país incapaz de se governar decentemente a si próprio e assim continuará a ser enquanto forem outros a pagar a conta das asneiras.
Eis o verdadeiro milagre português: transformar défice em destino, dívida em identidade, e subsídio em religião. E, afinal, o que somos nós?
Poetas, pois claro, mas com cartão de crédito.
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