Mestre Chico

 


Francisco Lourenço Castelo nasceu a 28 de Julho de 1915 (exactamente há 110 anos) e faleceu a 2 de Março de 1985 (há 40 anos). Era mestre serralheiro e afinador de máquinas da indústria conserveira. Para além do labor diário na fábrica, fazia portas, portões, gradeamentos, formas para a fundição de chumbo e outros utensílios e equipamentos em ferro.

A partir de um livro de modelos, O Serralheiro Moderno, de 1936, escolhia o desenho da peça a executar e, com uma ou outra alteração ditada pela falta de determinada matéria-prima, levava a cabo o trabalho com esmero, atribuindo especial importância à simplicidade e à funcionalidade, por vezes em detrimento da estética da peça. Interessavam-lhe sobretudo os objectos duradouros e práticos, qualidades talvez moldadas pela exigência das maquinarias que cravavam, lavavam e esterilizavam as latas de conservas.

Na sua oficina particular, destacava-se um imponente balancé em ferro fundido: uma roda de balanço que imprimia, através de uma enorme rosca, uma pressão gigantesca, permitindo comprimir chapas, cantoneiras e tubos, moldando-os conforme a forma que os moldes previamente construídos lhes conferiam, fosse para uma balaustrada doméstica, um corrimão de varandim para uma traineira, ou para as sugestivas curvaturas de topo de algum portão rural.

Ali existia também um interessante e vetusto aparelho bifásico de soldar a arco voltaico, de robusta construção britânica, a par de outras máquinas-ferramentas que as décadas de serviço já haviam tornado dignas de museu, mas todas funcionavam. Era frequente ter de inventar ferramentas para resolver problemas específicos: chaves para montar e desmontar fixadores de difícil acesso em loiça sanitária, ou para alcançar os recantos ocultos das enormes cravadeiras sem necessidade de as desmontar integralmente.

Era engenhoso, meticuloso e paciente, à imagem de tantos outros mestres dos mais variados misteres, que, ao longo da vida, se socorreram da imaginação e do engenho para resolverem aquilo que, de outro modo, apenas avultadas quantias de dinheiro poderiam suprir.

A lanterna de parede exterior, que ainda hoje resiste ao tempo, é um objecto de inequívoca beleza que, à sua modesta escala, nos transmite as mesmas sensações que terão sentido os primeiros espectadores das grandes arquitecturas do ferro do século XIX: as deslumbrantes gares ferroviárias, pontes, quiosques, estufas e pavilhões de jardim, escadarias e varandas de imaginosos rendilhados onde o ferro forjado ou fundido se dobrava e torcia ao sabor da fantasia de poéticos artífices.

A eufemística “console para iluminação”, de que aqui se apresenta o modelo, é executada em vergalhão quadrado de 20 mm e barra de 20 mm x 12 mm. Após intenso e aturado trabalho de corte das várias peças, torção de algumas ao fogo da forja e remate na bigorna; após a soldadura eléctrica que funde e une os diferentes elementos; após a passagem com o disco de esmeril que alisa as rebarbas dos cortes e os excessos da soldadura, seguia-se a pintura em tom escuro e mate e, por fim, o meu singelo contributo: fazer passar o cabo eléctrico, instalar o casquilho de porcelana e colocar a lâmpada de tungsténio que havia de iluminar a noite a partir daquela admirável estrutura.

Agora, já se enxerga no escuro, Mestre Chico.

 


Cravadeiras numa fábrica de Sesimbra, idênticas às que o Mestre Chico tinha sob responsabilidade.



Cravadeira Luban, primeira à esquerda, seguida por duas cravadeiras mais antigas,
na fábrica da Ribeira - anos 60. Todas iguais às existentes na Fábrica Abel Figueiredo Luís,
onde Francisco Lourenço Castelo era o responsável técnico pela sua operacionalidade.  

Uma cravadeira 'moderna' dos anos 70

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