O senhor A, diligente operador da imponente máquina perfuradora, encontrava-se absorto na vigilância do monitor que acompanhava, em tempo real, os trabalhos da descomunal broca, quando foi subitamente interrompido por um toc toc insistente que lhe chegou à porta da cabine. Abriu-a, e deparou-se com uma Ciconia ciconia — sim, uma cegonha de plumagem rebrilhante, mala na asa e expressão carregadamente carrancuda, acentuada pela direcção descendente do seu longo e ameaçador bico, que apontava obstinadamente ao solo.
A ave nada disse. O silêncio, contudo, não disfarçava o desagrado. Manifestou-o, antes, por meio de vigorosa pateada no chão — espécie de sapateado colérico — durante alguns segundos, findos os quais desferiu um bater de asa (a livre da bagagem), descreveu uma espiral cerrada no ar e alçou voo com majestosidade ofendida.
Ao atingir a proximidade da extremidade da lança da enorme broca, libertou, como que em acto de vingança cósmica, um estrondoso peido aéreo de magnitude aterradora, cujo impacto vibracional fez estremecer a maquinaria — já em equilíbrio vacilante sobre aquele areeiro barrento, lodoso e salitroso.
O senhor A mal teve tempo de se lançar para fora da cabine — aproveitando a porta que a intrépida ave exigira fosse aberta —, no exacto instante em que a gigantesca máquina, vencida pela gravidade e pelo desconcerto súbito, colapsava de forma aparatosa, estatelando-se no lodo. E ali ficou, silenciosa e vencida, como um titã tombado.
Na cidade, o povo, habituado às intempéries e ao trovão frequente que ecoa nas alturas eléctricas dos dias invernosos, tomou o ruído do flato alado por mais um ribombar atmosférico, e prosseguiu a sua vidinha de degredo urbano, cada qual encerrado na sua máscara individual, ignorando por completo que, naquele preciso instante, ficava irremediavelmente comprometido o transporte dos futuros bebés.
Perante tão dramático cenário, perguntam-se os especialistas — com sobrancelha arqueada e gravidade científica — se valerá sequer a pena esta população continuar a investir energias nas funções reprodutivas...
Moral da história:
NÃO MEXAM NAS CHAMINÉS!
P.S. — Como é sabido, são as grandes máquinas perfuradoras que, mergulhando nas entranhas da Terra, recolhem os bebés aí adormecidos e os entregam às cegonhas para a respectiva distribuição. Ora, estando a máquina em estado inoperacional... como se há-de, doravante, nascer em Lagos?
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