Do pó do tempo na imagem.

 

Iniciei em Abril de 1993 a minha actividade na Câmara Municipal de Lagos. Considero que tem sido um trabalho gratificante, com os altos e baixos normais de todas as profissões e locais de trabalho que envolvem muitos colaboradores.

Entendo que consegui realizar aquilo que sempre considerei como mais importante, a concretização de um arquivo fotográfico organizado e funcional, que garanta a perpetuação das imagens, testemunhos importantes para a memória colectiva da comunidade.

Para esse objectivo talvez tenha sido influenciado, porque negativamente impressionado, pela destruição do arquivo de imagens (negativos e fotos) do Estúdio CS, o qual contava com milhares de rostos de pessoas de Lagos e dos concelhos vizinhos. Esse episódio triste terá sido a mola impulsionadora desta urgência em evitar semelhante destino para outros arquivos, como o do município, o meu, ou os daquelas pessoas que inconscientemente deitam fora retratos de gerações de familiares, locais e acontecimentos, num deplorável desapego pelo passado.

Os arquivos da empresa de Fotografia 'Estúdio CS' foram incinerados na presença da autoridade policial, tal como a Lei dispõe, na sequência da execução de uma ordem judicial de despejo relativa às duas instalações, a do estúdio/loja, na Rua Drº António José de Almeida, e do laboratório/arquivo, na Rua dos Camachinhos. Foi tudo queimado, milhares de rostos carbonizados na fogueira do esquecimento.

Desde que comecei a fotografar - em 1978 - muitos foram os momentos edificantes, as experiências interessantes, os episódios de humor, de emoção, e outros de completa indiferença que só merecem ficar esquecidos na emulsão da película. Todos eles constituindo discursos do tempo, das pessoas e dos lugares. Discursos que não são meus, simples intérprete daquilo que vi e registei. A Fotografia nem sequer reproduz a realidade, apenas a representa.

Agora, a poucos anos da aposentação desta ocupação profissional que tem sido positiva, agradável e recompensadora, preocupa-me a continuidade deste trabalho de registo daquilo que é a comunidade, dos seus indivíduos e do que fazem. E, particularmente, a recuperação das memórias latentes nas imagens antigas que, só por si, não revelam tudo o que transportam, sendo necessário pesquisar jornais, actas e revistas coevas, entrevistar anciãos e memórias frágeis, investigar o passado.

Porém, a existência destes arquivos já confere à Fototeca Municipal de Lagos um valor incontestável enquanto repositório de um património cultural e, por isso, espero que os decisores vindouros assim sempre o entendam.

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