Solstício de Verão: Brindemos, que não morremos!


Chega o Solstício de Verão, esse momento supremo em que o Sol, vaidoso e tirânico, se detém no seu trono celeste por mais tempo que o costume, derramando sobre os mortais uma luz intensa, gloriosa e abrasadora. É a vitória da Luz sobre as Trevas — e, como em todas as vitórias, há sempre quem festeje e quem se farte de suar.

Neste dia, o astro-rei ostenta o seu poder com uma insolência quase monárquica, ocupando os céus desde madrugadas indecentes até às noites que já mal se atrevem a cair. As sombras fogem para debaixo das pedras, os morcegos suspiram de tédio, e os humanos — esses estranhos mamíferos sem pelagem nem juízo — correm alegremente para as praias, convencidos de que o bronzeado é uma forma legítima de transcendência.

O Sol, esse déspota dourado, sentou-se no cume do céu, onde ficará por horas infinitas, lançando sobre nós os seus raios triunfantes como quem distribui bofetadas com boa disposição. O dia tem quase vinte horas de claridade, e se isto não é milagre, é pelo menos castigo bem distribuído.

Confesso que, por momentos, pensei que não chegava cá. Não, não me refiro ao trânsito ou às filas para abastecer combustível — falo de coisa mais sinistra, mais longa, mais pegajosa. Falo das trevas. Aquela coisa insidiosa que se cola às janelas em Novembro, que nos encurva os ombros em Janeiro e que em Fevereiro já nos está a minar a esperança e a vitamina D.

Os antigos celebravam este dia com fogueiras, danças, libações e sacrifícios — hoje sacrificam-se sobretudo sardinhas, pacotes de gelo e paciência conjugal, numa espécie de ritual laico e ruidoso a que se chama “época balnear”. As pessoas — pobres criaturas afectadas por tantos meses de névoa mental — correm em direcção à praia como quem foge de uma invasão bárbara. E de certa forma é isso: o Inverno é uma peste, e o Verão é a libertação. Só que em vez de estandartes e cavaleiros, temos bóias em forma de golfinho e gritos de criança com gelado derretido.

É também tempo de reencontros humanos, agora que a natureza, pródiga em calor, torna menos penoso o contacto social. Abrem-se os corpos, os decotes e os churrascos. As relações entre os humanos florescem — pelo menos até ao aluguer partilhado em Agosto. Porque o Sol pode iluminar, mas não faz milagres.

E há esta euforia quase pagã, este impulso de abraçar o mundo inteiro. As pessoas riem sem saber porquê. Dançam. Marcham popularmente. Vestem-se de forma que os seus avós teriam condenado ao exílio. Mas não importa. É a vitória da Luz e não há sombra que nos pare.

 

Claro que o preço da vitória é alto. As filas nos supermercados duplicam, os corpos assam lentamente nas praias como frangos de churrasco — e o cheiro a protector solar misturado com cerveja quente e batata frita faz lembrar um ritual druídico perdido. Mas quem somos nós para reclamar? Já passámos pior. Passámos o Janeiro.

E agora, livres da peste das noites eternas e dos casacos até às orelhas, rendemo-nos com gosto. Celebramos com sardinhas, cervejas mal tiradas, vinhos coloridos e selfies em que a luz solar denuncia todas as rugas e os pecados. Mas rimos, gritamos, suamos, e dizemos “é a vida” com um orgulho inexplicável, como se tivéssemos conquistado uma colónia tropical.

É verdade que a Luz vence as Trevas, sim senhor, mas com ela vem também a gloriosa multiplicação dos comportamentos parvos em público, imóveis ou a conduzir. Porque se é verdade que o Verão aquece os corações, também é certo que derrete alguns neurónios. E, no entanto, há algo de profundamente comovente nesta explosão solar: o frenesim com que nos entregamos a ela, como se fingíssemos não saber que a partir de agora os dias começam a encurtar. Eis a ironia luminosa do Solstício: no exacto momento da sua maior glória, começa já a sua decadência.

Por isso, aproveitem. Sorriam. Bebam (com moderação ou com gelo). Beijem quem puderem e quem quiser — e, sobretudo, não se esqueçam de um bom chapéu, protector solar e repelente para insectos, se ainda ou houver. Porque, sim, a Luz venceu, mas as trevas não foram embora. Estão à sombra, a ver-nos destilar.

Mas, por ora, celebremos a Luz. Bebamos à sua saúde ainda que saibamos que o Sol, como todos os tiranos, acabará por se cansar de nós.

Viva o Solstício, viva a Luz, e abaixo os preços dos chapéus-de-sol! 

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