Eu posso escrever Má Que Jeite, ou Máquejête, e outro algarvio escrever MaKejeit, Maquejet ou Máquejêit, ou outra coisa qualquer que soe semelhante àquilo que se pronuncia, em Lagos ou em Olhão, no Alferce ou em Martinlongo, sendo certo que se pronuncia de forma diferente em vários locais do Algarve.
Qual das formas de grafar a pronúncia dessa palavra será a correcta? Para um uso corrente, em linguagem coloquial (popular), diria que qualquer uma estará correcta. Mas se pretendemos comunicar com falantes de outras paragens diferentes, teremos de recorrer ao rigor da norma linguística, pois só ela nos permite redigir com exactidão os valores fonéticos (o som das sílabas e das palavras), usando uma ferramenta muito específica que se chama Transcrição Fonética. Só dessa forma poderemos transmitir a falantes de pronuncias diferentes, dentro da mesma língua padrão, a exacta sonoridade das palavras. Tomemos este exemplo da expressão algarvia Má Que Jeite?!
A expressão algarvia "má que jeite?!", como interjeição interrogativa, é uma forma popular e expressiva de dizer, "Mas que jeito?!" ou "Por que razão?!", sendo típica da oralidade e do falar regional.
A transcrição fonética exacta pode variar ligeiramente consoante o
falante, mas com base numa pronúncia típica algarvia (acentuada, rápida, algo
fechada nas vogais e com certas elisões), uma proposta de transcrição no
Alfabeto Fonético Internacional seria:
[ˈma kə ˈʒɐjtɨ] ou [ˈma kə ˈʒɐjtə]
[ˈma] – corresponde a "má", com o acento na vogal aberta [a];
o "s" de "mas" é muitas vezes elidido ou reduzido
oralmente.
[kə] – redução do "que", comum na fala rápida e popular; a
vogal reduz-se a uma schwa [ə], som neutro típico do português europeu.
[ˈʒɐjtɨ] ou [ˈʒɐjtə] – representa "jeite", com o j como fricativa palatal sonora [ʒ], e o ditongo [ɐj]; a vogal final pode ser [ɨ] (fechada e central, típica do português europeu) ou [ə] (mais reduzida), dependendo da região ou do grau de informalidade.
A interrogação na entoação não se transcreve com símbolos fonéticos
básicos, mas pode ser assinalada prosodicamente com uma subida tonal.
Esta expressão é muitas vezes dita com emoção, surpresa ou desconfiança; e o tom, mais do que o conteúdo, revela o sentido.
No Sotavento algarvio (ex. Tavira, Olhão, Vila Real de Santo António) a
pronúncia é rápida, com redução de vogais átonas, entoação expressiva e elisão
de consoantes finais, resultando:
"Má que jeite?!" → [ˈma kə ˈʒɐjtɨ] ou [ˈma kə ˈʒɐjtə]
No Barlavento algarvio (ex. Lagos, Portimão, Monchique) a pronúncia pode
apresentar menos redução de vogais, mas ainda apresenta um ritmo informal e
vogais algo fechadas:
"Má que jeite?!" → [ˈma kɨ ˈʒɐjtɨ]
Enquanto que em Português europeu padrão (formal ou lido) a pronuncia
da mesma palavra apresenta maior cuidado na articulação, sem reduções extremas:
"Mas que jeito?!" → [mɐʃ kɨ ˈʒɐjtu]
Em síntese: alguém que pretenda insistir numa forma correcta de reproduzir em palavras a pronúncia de um regionalismo linguístico terá de respeitar as regras da Transcrição Fonética.
Em alternativa, pode continuar a escrever como pensa que melhor
reproduz aquilo que diz ou ouve, sendo certo que qualquer outro falante poderá
grafar a mesma expressão de modo substancialmente diferente, sem que nenhum possa
reivindicar o cumprimento da norma ou a exactidão daquilo que apresenta.
Estando viva, a língua mexe e remexe-se. É bom sinal.
Mákejetes, mon?!
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