Sempre vegetei na mediocridade, esse limbo amável a que os portugueses
chamam mediania, como quem disfarça a morte lenta com um eufemismo
piedoso. E, todavia, foi a mesma consciência que me guiou até essa constatação
que me ofereceu a palavra que me resume: parvalhão.
Há, contudo, uma subtil diferença entre o tolo feliz e o lúcido derrotado. A tragédia não está em ser pouco, mas em saber-se o pouco que se é; ou seja, em ter-se consciência. Vejo tantos imbecis, velhacos e desavergonhados que vivem radiantes na inconsciência do que são; e neles invejo a bênção da cegueira, a paz dos animais simples que jamais suspeitam de si mesmos.
Perguntar-me-ão de onde me vem a coragem para esta nudez. Mas não é coragem, é necessidade. Não me exponho, exorcizo-me. Usar os outros como espelho é o meu modo de expulsar o demónio da auto-piedade. Ao dizer o que sou, separo-me de mim; é como despir uma pele usada e deixá-la pendurada no cabide da memória. E, ao confessar-me, desarmo os que me poderiam julgar; torna-se-lhes inútil apontar o que eu já proclamei.
Assim, uso o olhar alheio como cinzel e o juízo dos outros, justo ou injusto, como instrumento de escultura. Sou uma pedra rústica por lapidar que se trabalha a si mesma no atrito com o mundo. E tudo isso sem necessidade de atender a críticas alheias, já que a minha auto-crítica é mais profunda, assertiva e contundente: Ninguém pode derrubar quem já se encontra por terra.
Prós: a brandura das expectativas baixas; o conforto de quem se sabe inferior e, por isso, se permite ver com clareza.
Contras: a solidão dos que
pensam demais e o desprezo que inspira aquele que tem a ousadia de dizer aos
outros o que são.

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