A grande desmatação
de 2018
Maria José Castro
https://observador.pt/opiniao/a-grande-desnatacao-de-2018/
Testemunho de uma
professora da Universidade do Algarve que descreve os males feitos nos terrenos
daquela escola superior e também em todo o barrocal, onde se estão a dizimar
majestosas alfarrobeiras.
Na Universidade do
Algarve, fomos todos convocados pelos Serviços Técnicos, e nossas famílias,
para participar na acção de voluntariado que teve lugar no passado sábado, de
“limpeza de mato e recolha de material sólido combustível” no campus de
Gambelas. “Material sólido combustível” – é assim que agora se designam as
árvores e outra vegetação e seres que neles habitam. Pobre pinhal do campus de
Gambelas!
As árvores arbustos
e ervas que nos pedem para “limpar”, são parte de um ecossistema, têm
variedade, albergam insectos, répteis e outros seres; as aves dependem da manta
morta do solo, dos arbustos e das copas dos pinheiros para repouso e nidificar.
As copas dos pinheiros reduzem a luz que limita a vegetação que cresce no solo.
A manta morta que cobre o solo, é precisa para regenerar todo o sistema.
Estamos na época do ano mais sensível para a procriação da maior parte destas
espécies vegetais e animais, em particular as aves, que já começaram a
construir os ninhos. O ruído invasivo das motosserras e roçadeiras que se tem
ouvido nos últimos dias não deixa dúvidas sobre o que está a acontecer aos
pinheiros e restante vegetação e seres que neles habitam e deles dependem. É a
contribuição da Universidade do Algarve para a salvação da floresta em
Portugal!
Um país cronicamente
incapaz de prevenir fogos ao longo de décadas, vira-se agora com ferocidade
contra a primeira vítima do fogo, a natureza, que por ser combustível e arder,
tem que ser eliminada, mesmo que sejamos nós, incauta ou criminosamente, a
atear 99 % dos fogos – se não houver vítima, não pode haver agressor ou
agressão; se não houver combustível, não há combustão. Os nossos governantes
podiam ter decretado acabar com o ar – porque sem oxigénio também não há
combustão – mas como provavelmente têm conhecimentos de química iguais aos que
têm sobre combate a incêndios florestais, lembraram-se de eliminar a vegetação
em geral.
É surpreendente que
a implementação da lei das limpezas de 2006 esteja a ser acatado de forma tão
resignada pela população em geral, sem discussão ou questionamento sobre
possíveis consequências e eficácia, nos meios de comunicação social. Há
algumas, poucas, vozes dissonantes, mas não têm tempo de antena. Não sei se é
menos ou mais surpreendente que a Universidade siga a passividade do resto da
nação, mas é com certeza lamentável, porque as universidades, por vocação e
missão, podem ser um dos últimos redutos de defesa da verdade, da liberdade de
expressão, do esclarecimento e debate público de ideias e de independência do
poder político.
No campus de
Gambelas, era de temer o pior, com aquilo a que se tem assistido desde 2013,
quando os trabalhos de jardinagem, antigamente feitos por dois jardineiros do
quadro, foram adjudicados à empresa Ferrovial na sua vertente de “valorização
de resíduos sólidos”. Com efeito, a valorização foi só para a empresa, porque a
Universidade ficou não só com o dobro dos custos, como ficou com os estragos
irreversíveis causados pelas podas mutilantes dos pinheiros e o abate de
exemplares saudáveis. E tudo isto feito sem qualquer respeito pelo calendário,
sem lembrança das muitas aves que nidificam no campus na Primavera, sem
qualquer consideração pelas práticas de boa poda, mesmo naqueles casos em que
se justificavam cortes – muitos pinheiros “podados” já desenvolveram tumores
provocados por rasgões no tronco, ou cortes feitos logo após chover. Alguns
ficaram com a copa ridiculamente reduzida, desventrada e totalmente
descompensada – o que resta são aleijões ou emaranhados de paus. Muitos, e há
que incluir alguns plátanos, têm morte anunciada. Convém saber que estas
práticas de desbaste radical, juntamente com perturbação das raízes, são a
razão da morte e queda de muitas árvores. Uma árvore é um ser vivo!
Tal insensibilidade
e ignorância espelham infelizmente aquilo que se vê por todo o lado – as
práticas de podas abusivas que lesam a estética e comprometem a viabilidade da
árvore tornaram-se um cenário tristemente banal e aumentaram a ritmo alucinante
nos últimos anos. Estas práticas, que em alguns países configuram crimes
ambientais, mesmo quando perpetradas em terrenos privados, aqui são sempre
justificadas por qualquer razão irracional e mesquinha, ou simplesmente, como
se diz no Algarve, porque “as árvores querem-se cortas”. Não há travão ético,
estético, nem legal, para refrear o apetite crescente por madeira e outros
detritos vegetais, que é a verdadeira força motriz que impulsiona toda esta
voracidade podadora recente. Árvores e restante vegetação são em geral vistas
entre nós como um estorvo ou apêndice inútil da paisagem, mas – que azar para
elas e demais criaturas que delas dependem – cada vez mais uma fonte de
rendimento irresistível, desde a venda de madeiras nobres, que atingem no
mercado centenas de euros por metro cúbico, como o plátano, o jacarandá ou o
cedro, até à transformação para composto, pellets e afins, biogás e
electricidade. Quando podar, devastar, recolher, só dava trabalho e nenhum
lucro, esses serviços eram realizados por funcionários camarários. Embora as
atrocidades tivessem aumentado na razão da evolução das “tecnologias da poda” e
diminuição da formação dos podadores, ainda ia havendo uma certa indiferença
tolerante. Quando começaram a dar lucro, e muito, rapidamente os mesmos
serviços passaram para as mãos de empresas privadas, e desde então, não há erva
ou árvore centenária que não esteja à mercê dos exércitos de sapadores
recrutados por estas empresas – mão de obra barata não falta e quanto mais
energúmenos melhor.
A lei da limpeza de
terrenos de 2006, tão precipitada e draconianamente implementada pelo governo
com requintes inauditos de intimidação e ameaça, anunciada de forma
atabalhoada, está a levar a atrocidades que se podem ver por todo o lado. Quem
tem um pedaço de terreno em volta da casa e aplicar a lei até 50 metros em
redor de casa (100 metros de povoamentos), vai ficar a viver num semi-deserto.
Os vizinhos têm que fazer o mesmo e o deserto alastra. Em zonas rurais as
pessoas estão divididas entre sentimentos de ansiedade, medo, indignação,
sabendo que façam o que façam, perdem sempre: porque não suportam os custos da
limpeza, porque vão ter de escolher entre “fazer do coração tripas” e destruir
elas próprias árvores e vegetação à volta da casa ou arriscar pagar a multa — o
afastamento de mínimo de quatro metros entre copas e entre fachadas e copas vai
eliminar mais de metade das árvores. O e-mail enviado pelas finanças avisa
ameaçadoramente: “Se não o fizer até 15 de março, pode ser sujeito a processo
de contraordenação. As coimas podem variar entre 140 a 5 mil euros, no caso de
pessoa singular, e de 1500 a 60 mil euros, no caso de pessoas coletivas” e terá
uma brigada sapadora enviada pela autarquia a entrar em casa e cortar o que
quiser. Muitos proprietários nas zonas mais afectadas pelos incêndios já estão
a vender os terrenos ao desbarato porque os lucros que extraem da terra não
cobrem o que iriam ter que gastar em limpezas.
No caminho que faço
diariamente para a Universidade, nas última semanas, foram reduzidas a tocos
centenas de oliveiras e alfarrobeiras, muitas seculares, hectares de
terreno foram totalmente descarnados. A
lei das limpezas veio apressar estas razias, que têm acontecido nos últimos
anos devido a estar tudo à venda e os proprietários cortarem as árvores para
lenha quando vendem os terrenos. Na vila de S. Brás de Alportel, as únicas
árvores de grande porte que ainda não tinham sido decapitadas em espaço
público, que eram oliveiras e alfarrobeiras, foram arrasadas há duas semanas,
perto do quartel da GNR, para dar o exemplo aos munícipes. Em Espanha, onde as
alfarrobeiras e oliveiras centenárias são protegidas por lei, a poda de UMA
alfarrobeira centenária é notícia de jornal. Aqui, no barrocal algarvio,
perante a indiferença de todos, as majestosas alfarrobeiras, que podiam ser o
ex-libris do Algarve, têm sido dizimadas na última meia dúzia de anos. Com
elas, há aves que vão desaparecer, como os papa-figos. São “árvores de grande
porte” e como tal uma ameaça pública.
O ministro Cabrita
está entusiasmado com a mobilização dos portugueses e com o que vê à sua volta
– “e ainda temos até ao final de Maio”. A GNR já está no terreno para assinalar
as situações de incumprimento e as multas vão começar a chegar, que têm agora o
carácter de notificação dos proprietários para a limpeza, que se for feita até
final de Maio anulam a multa. Supõe-se, o governo não esclareceu, que depois do
final de Maio as autarquias tenham que avançar (até quando?), senão serão elas
as multadas com perda de financiamento pelo governo central (o mesmo governo
que quer descentralizar). Podemos esperar toda a sorte de arbitrariedades,
confusões, guerras com as autoridades e entre vizinhos. “E tem mais”, avisou
ameaçadoramente o primeiro-ministro Costa em Tondela – “as autarquias têm
direito de tomar posse das terras e de se cobrarem pela venda do material
lenhoso e exploração das terras”.
Vale a pena ver o
vídeo da visita do primeiro-ministro, porque, ironicamente, nas casas ardidas
por onde o primeiro-ministro Costa e sua comitiva passam, e onde faz o seu
discurso, a única coisa que não ardeu foram as árvores e arbustos mesmo junto
às paredes, que dão a única nota de vida e alegria num cenário devastado. Os
telhados e o interior arderam, até o betão vergou – pelo que se depreende que o
fogo deve ter vindo do ar, de algum eucaliptal ali perto. Como este ano o
crescimento de pastos começou mais tarde, as limpezas que agora estão a ser
feitas, com mais luz no chão sem a sombra das copas e arbustos cortados, com
chuva, vão resultar num vigoroso crescimento de ervas que vai cobrir tudo e
estar no ponto de palha em Julho. O rastilho perfeito para iniciar fogos. E
quanta natureza vai ser destruída até lá, quantas árvores, quantas aves?
Tudo isto é de uma
bestialidade impensável, uma violência que vai atingir economicamente muitas
pessoas e que entra já na esfera da liberdade pessoal de cada um. Aplicada a
lei, as casas que têm uma floresta a 50 metros vão ficar com um risco de
incêndio pouco menor, as que não tinham uma floresta à volta, vão ficar no
semi-deserto, e com o mesmo risco – é a lei absurdamente cega que trata todo o
território como igual e que leva tudo à frente. Quem ganha – para já o governo,
que assim se demite de qualquer responsabilização por fogos futuros (os
malvados que não limparam os terrenos é que tiveram a culpa), as brigadas de
desmatação que estão a aparecer como cogumelos e começaram a cobrar fortunas. O
ministro Cabrita contrapõe que o lado positivo é que que se estão a criar
muitos postos de trabalho! E podem ser permanentes, porque de agora em diante,
como a natureza volta a crescer, não vamos parar de desmatar o ano
inteiro. Mas vai haver outros que vão
ganhar muito com a lei, e disso pouco se fala.
A lei das limpezas
que agora se invoca existir desde 2006, não foi criada para prevenir fogos. Foi
criada para suportar a implementação de 15 centrais de biomassa destinadas à
produção de electricidade, previstas no mesmo ano, quando foi lançado um
concurso, na largada da grande corrida às renováveis promovida pelo governo
Sócrates; implementação essa que não se concretizou, porque investimento,
subsídios e potência de rede foram sugados pelo lobby das eólicas. Por esta
razão a lei nunca foi cumprida, da mesma forma que no mesmo período nunca foram
tomadas quaisquer medidas de prevenção de incêndios, por decreto ou outras.
Aliás, nestes anos fez-se exactamente o contrário – o que restava da guarda
florestal e postos de vigilância foi desmantelado por completo; não houve
endurecimento na criminalização de incendiários ou actos negligentes;
arranjou-se um calendário para a “época de fogos” de Julho a Setembro como a de
banhos na praia, que se esperou que S. Pedro e os incendiários também
seguissem.
À medida que se foi
esgotando financiamento, subsídios, potência de rede disponível e sítios com
muito vento para espetar ventoinhas (sem restrições de ordem paisagística ou
ecológica), assim se foi refreando a fúria eólica. Mas cresceu a do solar,
porque os painéis são já tão baratinhos, e o preço que pagamos pelo kWh é já
tão elevado, que os investidores podem ter chorudos lucros cobrindo vastíssimas
áreas com painéis fotovoltaicos, mesmo sem subsídios directos. É isso que estão
a fazer e ainda mal começaram – a Sul, a cultura do painel solar vai rivalizar
com a do betão, do eucalipto e da agro-indústria, no domínio da paisagem. Esta
nova onda de investimento desenfreado tem uma dimensão e ímpeto nunca vistos –
antes ainda se simulavam preocupações ambientais, agora até esses floreados se
deixaram cair. Está a ser resolvido o problema, para todas as renováveis, do
esgotamento da potência de rede – a electricidade tem que ir para algum lado
onde seja gasta – com a abertura das ligações para França através dos Pirenéus
e agora as subterrâneas para Marrocos. A Comissão Europeia vai financiar em
força (nós também), voltou o investimento de bancos e fundos especulativos.
Voltaram as grandes barragens (que o ministro Matos Fernandes diz não poder
parar porque não há dinheiro para as indemnizações), avança a eólica para o
mar, chegou finalmente a oportunidade de ouro para as centrais de biomassa em
Portugal.
Os incêndios de 2017
deram o pretexto que faltava para resolver o grande problema dessas centrais,
que as leis das limpezas de 2006/2009 e a Portaria de 2009, que permitiu a
requisição de desempregados para a limpeza de florestas, não conseguiu
resolver: garantir o fornecimento de matéria vegetal em quantidades colossais e
de forma regular, a custo “sustentável” (o económico, não o ecológico), que
depende de uma engrenagem de corte, recolha e transporte. O custo da matéria-prima
agora vai ser perto de zero para as empresas que a transformam – vamos todos
contribuir directamente com a nossa cota parte de desmatação cega. Já não é
necessário pensar em soluções geniais como a do sr. primeiro-ministro Costa
(então candidato), que se lembrou que os refugiados podiam ir limpar as
florestas para suprir a falta de mão de obra (eles devem ter ouvido e talvez
por isso fujam todos mal chegam a Portugal).
A corrida aos lucros
com os despojos do coberto vegetal de Portugal vai ser enorme – depois de
termos o maior eucaliptal da Europa, e sermos já leaders na exportação de
pellets (que são feitos em grande parte com madeira e não com desperdícios como
se faz crer), até já ultrapassámos a Rússia, certamente vamos bater o record do
kWh por m2 de território gerado com biomassa. Os interessados nesta biomassa
toda, sempre os mesmos do costume, não se vão fazer rogados. Um
comendador/comentador conhecido, ele próprio um arrivista das energias
renováveis, dá uma ideia do que se poderá passar, na entrevista publicada na
“Vida Rural” em Dezembro de 2010 — “A biomassa é o ovo de Colombo em Portugal”.
Sobre os problemas que estas centrais levantam, ao nível da destruição de
ecossistemas e conservação do solo, para não falar na mais que duvidosa
“neutralidade” na produção de CO2, o pacote florestal do governo que contempla
a criação de centrais de biomassa como medida essencial, nada refere.
A aplicação cega da
lei das limpezas de 2006 tem um alcance mais largo: vem colmatar em parte o que
a reforma das florestas aprovada em Julho passado no Parlamento, com base num
pacote proposto pelo governo em 2016, não conseguiu — a criação de um “banco de
terras” — que ficou de fora do pacote, e que provavelmente teria mesmo sido
aprovada pela tal “geometria variável”, não fora a proximidade de eleições
autárquicas (com retoques cosméticos, não faltará muito para ser aprovada, como
aconteceu com a lei do financiamento dos partidos). Este banco de terras, que é
dado como a grande solução para o ordenamento do território e desenvolvimento
do meio rural e do interior em particular, vai reunir terrenos privados sem
dono, terrenos rústicos do estado, terrenos de que o estado toma posse por
incumprimento de leis de manutenção, terrenos que o estado compra a privados
com as receitas das vendas dos primeiros. Na revenda a privados, no caso de
“património com vocação florestal”, as parcelas “deverão integrar uma área
mínima de 100 hectares, da qual pelo menos 50% deverá ser constituída por
propriedades com área inferior a 5 hectares”. Para a “agricultura”, vai ser
dada preferência a jovens e desempregados! Todos os portugueses deviam ler com
atenção estas propostas. Significam a maior mudança de mãos de terra que
aconteceu em Portugal por decreto, desde a confiscação dos bens da coroa e
ordens religiosas em 1834 – há duzentos anos, a venda dos bens nacionais
promovida pelo governo liberal pretendia ser a redistribuição, por intermédio
do Estado, de uma enorme riqueza, que iria impulsionar a classe média e o
progresso de Portugal. Ao contrário do que aconteceu em França, em Portugal a
riqueza acabou por ficar concentrada nas mãos de alguns que já tinham muito e
mais uns quantos na órbita do poder político – ficaram com a alcunha dos
“devoristas”. Portugal continuou no mais deprimente atraso e o progresso foi adiado.
No Estado Novo, a plantação de pinheiro bravo e eucalipto também era a grande
oportunidade de desenvolvimento do interior – deu no que deu.
O ministro Capoulas
Santos anuncia agora, em primeira mão, a criação de uma “Nova Empresa Pública
de Desenvolvimento e Gestão Florestal” que vai procurar identificar os prédios
rústicos para arrendamento e garantir um rendimento anual aos proprietários,
sobretudo “pessoas mais idosas”. Não disse em que moldes e com que critérios
isso vai se feito. Mas parece ter pressa – é uma “questão de semanas”, afirma.
Trata-se do plano B do banco de terras que foi chumbado pelo Parlamento em
Julho? O ministro, que não conseguiu disfarçar o desconcerto que teve com o
chumbo, avisou logo — “o Código Civil permitir-nos-á contornar o banco de
terras”. Com banco ou sem banco, em áreas florestais, o Estado poderá tomar
posse de terrenos abandonados, ou desenquadrados da vocação florestal. E como
vai o governo convencer os agricultores idosos donos de terrenos rústicos, e os
que não são idosos, a passarem a gestão das suas propriedades para a nova
Empresa Pública? Ainda há uma esperança — poderá recorrer a “elementos
dispersos da legislação”. Como a lei das limpezas?
Esta reforma das
florestas parece feita à medida das ambições das indústrias do papel. O banco
de terras, ou seu substituto, era a oportunidade para o estado impor áreas de
floresta autóctone, floresta a sério — não se vislumbra essa intenção nas
propostas do governo. Pelo contrário, pretendem aumentar a produção de eucalipto,
tirando eucaliptal onde a produção não é rentável e plantando em terrenos mais
produtivos que antes não tinham eucalipto – assim não se aumenta a área (mas
também não se diminui). Quando se cortam eucaliptos, eles voltam a crescer
sozinhos com o dobro da força – o que vai acontecer a estes ex-eucaliptais, que
deixaram o solo arruinado? E que novos terrenos produtivos vão ser
eucaliptados? O anterior governo queria pôr mais eucaliptos no Alentejo e
regá-los com água do Alqueva. A lei que liberalizou a plantação de eucalipto em
2013, e que podia ter sido revogada em 2015, não foi – hipocritamente
anunciou-se que iria ser, um dia. Foi agora, em Fevereiro deste ano. A corrida
ao eucalipto disparou e foram plantados mais eucaliptos nestes dois anos do que
nos dois anos após a lei ser aprovada. Sobre isto, em Novembro passado, o
ministro Capoulas Santos desculpa-se com: “Roma e Pavia não se fizeram num
dia”.
O mesmo ministro que
dizia, entre os dois grandes fogos de 2017, que o governo fez o que poderá ser
“a maior revolução que a floresta conheceu desde os tempos de D. Dinis”. O que
aconteceu em Outubro deu-lhe razão… A poderosa indústria do papel lançou nos
jornais uma fortíssima campanha publicitária paga (e outra aparentemente
não-paga) quando o pacote da reforma da floresta foi anunciado, pondo-se no
papel de virgem ofendida e alegando que estava a ser diabolizada, quando na
verdade deve ter esfregado as mãos de contente com a reforma anunciada. Mais
pareceu uma manobra coordenada entre as indústrias da celulose e o ministro
Capoulas Santos: uns podem plantar mais eucaliptos, os outros podem simular que
querem reduzir a sua plantação.
É bom lembrar que
Portugal continental tem a quinta maior área absoluta de eucalipto no mundo, a
seguir, à China, Brasil, Austrália e Índia, que têm 104, 92, 84 e 32 vezes a
área de Portugal. Dos 22 milhões de hectares de área de eucalipto no mundo,
Portugal tem quase 1 milhão – é a maior densidade de eucalipto do mundo.
Comparativamente a Espanha, que tem características climáticas e de relevo do
solo semelhantes a Portugal, e tendo em conta a diferença de tamanho do
território, em Portugal a percentagem de área ardida em 2017 foi 25 vezes
superior à que foi em Espanha. Por coincidência ou não, a densidade de
eucalipto em Portugal, a maior do mundo, é 21 vezes maior que a de Espanha.
Será que em Espanha não há alterações climáticas? Mas Espanha também leva o
combate a incêndios muito mais a sério, sobretudo na prevenção, onde investe o
triplo do que investe em combate, ao contrário de Portugal. O nosso governo em
vez de produzir leis absurdas podia ir a Espanha ver o que exactamente lá se
faz, que é o que o senso comum e observação da realidade mandam (bastava ler os
elucidativos artigos publicados no “El País” sobre os fogos em Portugal).
Se uma pequena
parcela do esforço intimidatório que está a ser exercido sobre todos os
proprietários, fosse dirigido aos que fazem queimadas indevidas e aos
incendiários, é possível que houvesse menos fogos este ano. Prefere-se atribuir
às alterações climáticas e fenómenos estranhos a ocorrência de 542 fogos num só
dia. Perseguir os incendiários não daria tanto lucro, nem tantos empregos, como
dão as consequências da não-aplicação da lei das limpezas.
O ministro Capoulas
Santos declarou há dias que esta é a maior operação de limpeza de floresta “em
800 anos de história”.
Em 1958, na China, o
grande leader Mao Tse-Tung convocou toda a nação para erradicar a praga dos
pardais, que roubavam cereais das colheitas e estavam a prejudicar o progresso económico
da China – foi a grande campanha dos pardais. Os cidadãos chineses
mobilizaram-se massivamente e durante dias vieram para o campo e bateram em
tambores, em tachos e panelas o mais que puderam para aterrorizar os pardais e
impedi-los de poisarem, até caírem mortos de exaustão. Outros foram mortos a
tiro, os ninhos foram destruídos. Foram exterminados centenas de milhões de pássaros.
As consequências do sucesso da campanha tornaram-se evidentes em 1960. Os
pássaros não comiam só cereais, também comiam insectos. Sem pássaros os
insectos proliferaram e destruíram as colheitas. Dezenas de milhões de pessoas
morreram à fome.
Como disse Henry
Thoreau, filósofo e naturalista americano, “qualquer idiota pode fazer uma
regra e qualquer idiota a seguirá”.
Avancemos, pois, com
a roçadeira e a motosserra!»
"Presidente da República elogia a medida de limpeza de terrenos em redor das habitações decidida pelo Governo, considerando que tem um objetivo psicológico" in jornal Expresso |
Ah, possui um objectivo psicológico?! E o objectivo deve ser desorientar, desanimar e prejudicar os portugueses e a Natureza.
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