A maior parte da minha educação veio dos livros — não os da escola, esses serviam para ensinar e aprender. Refiro-me àqueles que educam o Ser.
Não tive, contudo, um tutor que me guiasse com critério na escolha das obras. A minha formação foi, por isso, uma navegação incerta: por vezes certa, outras à deriva, esbarrando ocasionalmente em escolhos.
Os meus pais não tinham tempo — nem instrução — para se ocuparem disso. A minha mãe acumulava três trabalhos durante a semana e dois aos fins-de-semana. O primeiro (ou o último, conforme se considere o início ou o fim do dia) era sempre o das tarefas domésticas — intensas, repetitivas, infindáveis. O meu pai, nascido em 1915, fora educado por uma irmã mais velha, nas muitas ausências do avô, que andava pelo país a negociar cortiça. Vinha de outra era. Nunca assumiu o papel de educador consciente da prole.
Valeu-me, ainda assim, ter lido alguns clássicos. Não tantos — nem os mais apropriados — para construir uma sólida formação ética e moral, mas, ao lado deles, os heróis menores da cultura judaico-cristã, que habitavam outras páginas mais modestas, também deram o seu contributo.
O resto ficou a cargo de outros mestres: os meus padrinhos, já idosos; alguns vizinhos com tempo e paciência; e, sobretudo, os homens do mar — agora no remanso dos trabalhos de terra — que remendavam redes nos armazéns perto de casa.
Ouvia-os com admiração. Encantavam-me as histórias e os episódios que contavam — e as lições com que, por vezes, rematavam as narrativas. Já tinham pouco espaço para o erro, aqueles homens curvados sobre bancos baixos, quase rente ao chão, com os dedos calejados a costurar buracos pequenos nos grandes buracos das redes danificadas. E, com cada nó e remendo, lançavam também pedaços de sabedoria.
Na penumbra fresca daquelas arrecadações, entre quilómetros de redes amontoadas e sob o olhar atento dos gatos — guardiões contra ratazanas — escutava e aprendia. O cheiro era uma fusão embriagante de mar e alcatrão. E o toque das mãos nas malhas ásperas deixava os dedos dormentes, mas o espírito alerta.
Recordo a cor escura das redes, em contraste com a alvura das paredes, onde se alinhavam varas e tarimbas. As traineiras, à noite, longe de olhos curiosos, vestiam e despiam aquelas redes com o cuidado de quem manipula um artefacto sagrado. Como se lançassem ao mar um manto encantado para resgatar um tesouro: o peixe prateado das profundezas.
E aprendia também com os erros. Como toda a gente. Repetia, por vezes, aquilo que sabia desaconselhado, apenas para confirmar por mim próprio. Outras vezes, evitava repetir o que ouvira ser nocivo, precavendo riscos maiores.
Sempre vi os velhos como depósitos de sabedoria prática — daquela que serve para viver, dia após dia, tanto nas tarefas mundanas como nas relações humanas.
Mas os livros, esses, continuaram sempre comigo. Alimentaram e afinaram o espírito crítico, ensinaram-me a perguntar antes de aceitar, a observar antes de julgar. Fizeram-me pensar nas coisas que acontecem na minha rua — e no mundo.
Porque há aulas a que não se falta. E nenhuma delas se dá em sala.
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