Do ponto de vista social, a tolerância consiste na capacidade do indivíduo aceitar, da parte de outro, uma atitude que diverge daquilo que é considerado norma no seio do grupo a que ambos pertencem. Com a tolerância, fica assegurada a aceitação da diferença — e, com ela, a viabilidade de uma sociedade verdadeiramente plural. Tolerar é permitir que algo prossiga, mesmo sem concordância, porque a liberdade de discordar deve permanecer inviolável.
Tendemos a considerar a tolerância como um valor positivo — e, com razão, assim deve ser encarada. No entanto, é um valor positivo que surge do reconhecimento de um mal menor. Afinal, tolerar é admitir aquilo com que não se concorda. Como afirma o filósofo espanhol Antonio Millán-Puelles:
“O único fundamento possível da tolerância encontra-se na necessidade de permitir um mal para impedir outro maior. Esta necessidade é uma exigência absoluta, não relativa ou condicionada, ainda que indubitavelmente se prefira algo que só de um modo relativo é admissível. O tolerado é sempre um mal, o bom não é tolerado, mas sim positivamente querido e amado. Um mal é tolerável unicamente na qualidade de mal menor, sendo esta qualidade um valor objectivo, isto é, absoluto ou em si.”
Esta noção, aparentemente paradoxal, é fundamental para que compreendamos a profundidade do acto de tolerar. Não se trata de aprovar ou celebrar o que é tolerado — apenas de reconhecer que, ao não o proibir, se protege algo mais importante: a liberdade, a paz social ou a coesão comunitária.
Voltaire via o ser humano como naturalmente intolerante, e defendia que essa tendência deveria ser combatida. Para ele, a intolerância levava à desumanização, à redução do indivíduo a categorias abstractas — como a raça, o credo ou a orientação sexual — quando, na verdade, o que deveria importar era a pessoa concreta.
Contudo, a tolerância tem limites.
Esses limites residem, desde logo, na rejeição da intolerância. Não podemos ser coniventes com o intolerável. Um Estado democrático não pode assistir passivamente à violação dos seus próprios fundamentos, em nome de uma tolerância mal entendida.
A democracia — que tanto prezamos — não é compatível nem com o absolutismo autoritário, nem com o relativismo moral onde tudo vale. Ela implica uma adesão, mesmo que implícita, a certas concepções de Bem e de Justiça. Não há neutralidade possível face ao racismo, à opressão ou ao ódio sistemático.
Como escreveu Karl Popper, no célebre Paradoxo da Tolerância:
“A tolerância ilimitada conduz à supressão da tolerância. Se estendermos a tolerância mesmo àqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos — e a tolerância desaparecerá com eles.”
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