Chegado ao topo da rua, com a mão direita já branca da cal, de vir roçando pelas paredes do casario para não cair, desamparou-se-lhe aquela mão, artificialmente alva, no vazio da casa da Tia Alzira, demolida meses antes, e os três paços que ainda conseguiu dar colocaram-no à porta da mercearia do Sabino, onde o chão lhe fugiu, definitivamente, debaixo dos pés, emborcando-se para a posição oblíqua que a saca de amendoins que a venda tinha à porta não permitiu horizontal, evitando que se estatelasse.
Ali ficou, com o rosto mergulhado dentro das inocentes alcagoitas, deixando a mente vogar, errática, sobre a natureza daquele fruto que se lhe enfiava pelas narinas e amolgava a cara.
E a mente delirava, produzindo imagens da planta herbácea rasteira que, qual mãe cuidadosa, enterrava no chão os seus filhos, ocultando à rapacidade alheia aqueles frutos extraordinários utilizados na alimentação humana, mas de que também se extrai óleo e se fabricam rações para animais.
E o delírio mostrava-lhe uma planta viva, sorridente, sob a calidez do Verão, contorcendo-se em dança estática nos terrenos arenosos que partilhava com a vizinha batata-doce.
E logo de seguida parecia ouvir a arenga de um vendedor televisivo, enumerando as qualidades e benefícios de tal alimento para a saúde: «O valor energético de 100 g de amendoim é de 567 kcal. Cada 100 g de amendoim contém 92 mg de cálcio, 168 mg de magnésio, 376 mg de fósforo, 4,6 mg de ferro e 3,3 mg de zinco…»
Até que, subitamente, a saca das ervilhanas caía, derramando-se parcialmente pela rua e depositando lentamente, no chão empedrado, o pesado fardo humano embriagado. E as imagens do delírio feneciam, restando apenas o roncar daquela alma alcoolizada e dormente, dormindo esparramada na viela.
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