Lembram-se do pinguim de loiça que vivia em cima do
frigorífico lá de casa? Pois, esse mesmo. Sempre me intrigou a presença, em
tantos lares, desses animais porcelânicos antárcticos, erectos, de cartola, com
ou sem a bengala de arame, ali especados sobre a bendita geladeira.
O pinguim, juntamente ao calendário da Acção Missionária e ao quadro do menino
chorão devem ter constituído, durante algumas gerações, a iconografia mais
representativa da decoração das casas portuguesas, ainda que muitas
adicionassem, também, uma Senhora de Fátima e um cão dálmata, de loiça,
sentado, quieto e mudo, na sala ou junto à porta.
O episódio que vos conto tem como protagonista um desses bonecos
identificativos relacionados com a funcionalidade do dispositivo eléctrico de
frio, numa simbologia desconhecida noutros engenhos inventados para facilitar
as tarefas domésticas; não se conhecem ícones semelhantes para fogões,
lareiras, máquinas de lavar ou quaisquer outros aparatos idênticos.
Havia um desses na casa da minha madrinha Adelina, na Rua Nova da Aldeia. Um
dia deu-se, ali, um caso misterioso que durante muito tempo deu que falar e
especular sem que, no entanto, alguma vez se tenha chegado a qualquer conclusão
ou explicação do enigma.
O prato das sardinhas alimadas que seria o almoço do meu padrinho João Miguel
desapareceu do interior do frigorífico – explico que as sardinhas eram só para
ele, porque a minha madrinha era uma das milhentas vítimas daquela época
obscura e medieval que proibia comer peixe azul; esse veneno marinho que anos
mais tarde acabaria por ser promovido a fonte do riquíssimo ómega 3, importante
e benéfico para as gentes de todas as idades e patologias.
E, não habitando mais ninguém com o casal de reformados, a minha madrinha não
teve dúvida alguma em culpar o ‘malvade penguim’ que terá descido do seu
pedestal, entrado no frigorífico e comido a dúzia de sardinhas alimadas. E com
elas foi, ainda, uma das batatas doces cozidas, desaparecida do tachinho que
jazia sobre a pedra do balcão da cozinha.
Em abono do pinguim temos de admitir que não era um vil e reles assaltante de
dispensa, demonstrando tratar-se de um ser consciencioso, asseado e arrumado,
ao deixar sobre o lava-loiça o prato das sardinhas devidamente lavado.
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