Maçonaria em Lagos, do século XVIII ao século XXI


Lagos terá sido, certamente, palco da implantação de alguma estrutura maçónica logo no século XVIII, mais concretamente no período compreendido entre 1762 e 1768, dada a presença de James Ferrier, militar e maçom escocês que terá espalhado as suas convicções entre a oficialidade dos regimentos que veio organizar no Algarve, a mando do Conde de Lippe. Para melhor se perceber a plausibilidade de tal ocorrência, debrucemo-nos sobre a figura do Conde de Lippe e o seu enquadramento na realidade coeva nacional.

Frederico Guilherme Ernesto de Schaumburg-Lippe residiu em Portugal entre Julho de 1762 e Setembro de 1764 e, mais tarde, entre Setembro de 1767 e Abril de 1768. Era maçom do rito alemão e possuía um perfil onde pontificavam os valores de uma espiritualidade humanista e de uma ética assente no respeito pelo semelhante. Cultivava a fraternidade assente na igualdade de oportunidades e na correcção das desigualdades. Praticava a tolerância, a paz e a compreensão — atitudes próprias para suscitar e fomentar a busca da Luz. Rodeou-se de oficiais também maçons, que trouxe consigo para Portugal, e terá tido um papel relevante na Maçonaria portuguesa desde 1762, encorajando os seus oficiais a conquistar adeptos na sociedade portuguesa, com particular atenção ao exército, mas também à nobreza e às áreas da diplomacia, do comércio e da cultura.

Dessa dinâmica terá resultado a fundação de várias lojas, principalmente onde existiam importantes forças militares. A proliferação de “irmãos” por todo o país potenciou a difusão dos ideais maçónicos em Portugal. Esta tradição da influência do Conde de Lippe na Maçonaria portuguesa mantinha-se ainda bem viva em meados do século XIX, conforme declarações dos maçons Silva Carvalho, em 1846, e Miguel António Dias, em 1853.

A sua acção alcançou ainda maior relevo devido ao facto de a ela se dever o “despertar” da Maçonaria que se encontrava adormecida em consequência da bula In Eminenti Apostolatus Specula, do Papa Clemente XII, que formulou, em Abril de 1738, a primeira das muitas condenações da Igreja Católica contra a Maçonaria — logo espelhada pelo inquisidor-mor português, o cardeal D. Nuno da Cunha, que a fez publicar em Lisboa em Setembro do mesmo ano. Tal actuação do poder inquisitorial travou, durante algum tempo, a expansão da Maçonaria; mas com a morte de D. João V e a subida ao trono de D. José, o poder caiu gradualmente nas mãos de Sebastião José de Carvalho e Melo, que nunca permitiu que a Inquisição perseguisse a Maçonaria. Verificou-se, assim, durante este período, uma grande tolerância para com os maçons, tendo alguns sido empossados em altos cargos do reino.

Retomando a situação em Lagos, convém realçar que a cidade possuía, na altura, um Regimento de Infantaria e um Regimento de Artilharia que integravam muitos militares estrangeiros. É, pois, presumível que a influência de James Ferrier — o “Diogo Escocês”, como era conhecido entre as tropas portuguesas — se tenha materializado na existência de uma loja maçónica afecta ao meio castrense lacobrigense, da qual existem ainda algumas jóias e paramentos maçónicos.

No início do século XIX, como um enorme farol que ilumina o país de Norte a Sul, as cidades portuguesas vão experimentar as ideias do Iluminismo, do Humanismo e do Racionalismo, difundidas pelas inúmeras oficinas maçónicas que nelas se formam. É nesse contexto que, em 1816, a Maçonaria se afirma em Lagos com o levantamento de colunas da Respeitável Loja Philantropia, n.º 2600, do Grande Oriente Lusitano, trabalhando no Rito Francês ou Moderno, e que, em 1823, terá de encerrar actividade em resultado da ascensão do poder miguelista.

Um dos muitos maçons incomodados pela sanha persecutória miguelista foi o coronel lacobrigense Rodrigo Vito Pereira da Silva, Venerável Mestre da Loja Philantropia, de nome simbólico “Aníbal”, que havia combatido durante toda a Guerra Peninsular no Regimento de Tavira, mas que acabou por integrar o Regimento de Lagos. Pelo seu protagonismo em batalha recebeu a Medalha de Comando Britânica e a Medalha de Ouro Portuguesa da Guerra Peninsular — seis campanhas.

Será necessário esperar por 1849 para assistir ao funcionamento de uma nova loja maçónica em Lagos, desta vez sob os auspícios do recém-formado Grande Oriente de Portugal: trata-se da Respeitável Loja Concórdia II, que, por sua vez, abateu colunas nas décadas de 50 ou 60 desse século. Eis como a semente depositada no século XVIII germina nesta segunda metade do século XIX e vai dar os seus frutos no século XX.

Em 1905 implantou-se em Lagos o Triângulo n.º 67, que trabalhou até 1911, altura em que foi substituído pelo Triângulo n.º 148, que, nesse mesmo ano, deu origem à Respeitável Loja Lacobriga, n.º 326 — todos trabalhando no Rito Escocês Antigo e Aceite, tal como as demais oficinas algarvias contemporâneas: Loja Pró-Pátria, n.º 319, em Faro; e Loja Estrela do Sul, n.º 265, em Loulé.

Em 1926, enquanto a Lacobriga abate colunas, o lacobrigense e republicano capitão Leonel Vieira desfila em Lisboa à cabeça do destacamento de tropas do Regimento de Infantaria 33, de Lagos, vitoriando a revolução em que participara e que acabara de implementar o Estado Novo e a ditadura. Não resta, pois, alternativa aos maçons lacobrigenses senão silenciar a sua actividade e “adormecer”, já que a Maçonaria de Lagos sempre contou com elevado número de militares nas suas fileiras — e o novo panorama político envolve muitos oficiais das forças armadas. E até porque, no seguimento do 28 de Maio de 1926, o mesmo capitão Leonel Vieira, que, certamente, como republicano da velha guarda, conheceria os meandros das estruturas libertárias locais afectas ao meio castrense, vai ser nomeado Presidente da Câmara Municipal — e mais tarde será o responsável pela instalação da Legião Portuguesa no Algarve.

Só na sequência da Revolução de 1974, e da retoma da liberdade, foi possível aos lacobrigenses voltarem a integrar lojas maçónicas — o que aconteceu primeiro noutras terras, como Lisboa e Loulé, e só depois em Lagos, com a instalação do Triângulo D. Pedro de Alcântara, em 2011, de que resultou, no ano seguinte, o levantamento das colunas da Loja D. Pedro IV, trabalhando no Rito Escocês Antigo e Aceite, sob os auspícios do Grande Oriente Lusitano.

E se, nos séculos anteriores, eram os militares, os proprietários e os clérigos que constituíam o grosso da Maçonaria local, no século XXI são os pequenos empresários, os funcionários, os comerciantes, os profissionais liberais e outros ligados às actividades turísticas que enformam as fileiras da Maçonaria lacobrigense. Gente modesta e trabalhadora, “livre e de bons costumes”, de diferentes credos religiosos e filiações políticas — ou sem quaisquer conexões nessas áreas — que sustentam as colunas maçónicas na centenária cidade algarvia.

Aqui se desenvolve um trabalho maçónico centrado na progressão filosófica de cada um dos “eternos aprendizes”, sem esquecer a prática filantrópica assente na beneficência social, materializada no auxílio aos desvalidos, através de acções levadas a cabo directamente por grupos de irmãos ou pelo apoio a instituições locais de solidariedade social. Assim se vai cumprindo, nesta pequena cidade de província, num cantinho periférico do velho continente, o compromisso da Maçonaria com o Mundo.


Fontes:
- A.M.L. 2007 – Presença do Conde Lippe em Portugal in blogue a-partir-pedra
- Arquivo Histórico Militar, 2004 - O Comando do conde de Lippe, 1762-1768, Inventário de documentos - Estado-maior do Exército, Lisboa
- BAPTISTA, J. A., 2010 – Lagos, o Republicanismo e a Administração Municipal (1908 – 1914) – Câmara Municipal de Lagos
- OLIVEIRA MARQUES, A.H. 2010 – Dicionário de Maçonaria Portuguesa, Editora Delta, Lisboa
- VENTURA, A., 2014 – Uma História da Maçonaria em Portugal, Círculo de Leitores, Lisboa Ver menos

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