Outro conto para o Simão

 


Há trinta anos, numa pequena cidade algarvia, havia uma menina que se chamava Luciana — e que gostava muito de uma certa história de adormecer. A história era assim:

Era uma vez uma menina que ia passear ao campo na sua bicicleta e fazia trim-trim com a campainha, para que os animais se desviassem — evitando atropelar algum esquilo, um coelho, uma ovelha ou até uma vaca, daquelas às manchas pretas e brancas.

A menina levava consigo um pequeno ursinho de peluche, e lá ia pedalando estrada fora. A bicicleta, que devia ter qualquer coisa solta ou uma peça a bater noutra, fazia um barulho assim, tipo:

patchaquim… patchaquim… patchaquim… patchaquim…

E lá seguia a menina, por um caminho com muitas curvas e, depois, por cima de uma ponte, de onde via a água do rio a correr lá em baixo — e os peixinhos amarelos a nadarem, muito contentes.

Depois, passava por jardins cheios de flores de todas as cores e, por fim, chegava a um pequeno monte com muita vegetação. Escolhia uma árvore grande e bonita, estendia um lenço no chão, sentava-se com o ursinho ao lado, e contava-lhe uma história que era assim:

Era uma vez uma menina que ia passear ao campo na sua bicicleta e fazia trim-trim com a campainha, para que os animais se desviassem — evitando atropelar algum esquilo, um coelho, uma ovelha ou uma vaca, daquelas às manchas pretas e brancas…

E lá seguia o enredo, com o barulho da bicicleta (patchaquim… patchaquim…) e a ponte sobre o rio, e os peixinhos amarelos, e as flores coloridas, e o monte, e a árvore, e o lenço… e tudo outra vez.

Até que, certa noite, a Luciana, já meio rabugenta com tanto déjà vu, interrompeu:

— Oh… é sempre a mesma coisa! Conta outra história!

— Queres outra história? Então vou contar a história do ursinho que ia passear ao campo!

E comecei assim:

Era uma vez um ursinho que ia com uma menina passear ao campo na sua bicicleta. Ela fazia trim-trim com a campainha, para que os animais se desviassem — evitando atropelar algum esquilo, um coelho, uma ovelha ou uma vaca, daquelas às manchas pretas e brancas.

A menina lá ia pedalando estrada fora. A bicicleta — sim, a mesma — continuava a fazer aquele barulho estranho:

patchaquim… patchaquim… patchaquim… patchaquim…

Seguiam por um caminho com muitas curvas e, depois, por cima da ponte. Lá em baixo, o rio corria, sempre alegre, e… ora vê lá bem… os peixinhos já não eram amarelos, mas vermelhos!

Depois, vinham os jardins, as flores, o monte com vegetação, a árvore grande, o lenço no chão, o ursinho a ouvir — e a história que era assim:

Era uma vez um ursinho que ia com uma menina passear ao campo na sua bicicleta…

— Ohhh! — interrompeu a Luciana, agora visivelmente aborrecida — Essa história é sempre a mesma coisa! Sempre a mesma coisa!

E eu, fingindo espanto:

— Não, não! Já reparaste bem? Os peixinhos agora são vermelhos! Antes eram amarelos! Isto muda tudo…


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