Um conto para o Simão

 


— Simão, o avô conta-te uma história até o João Pestana chegar. Queres a história do golfinho amarelo, da menina azul, do castelo verde ou do urso branco?

Simão: — Do usho banco.

Não tendo ainda ouvido nenhuma destas histórias, é frequente que uma criança da idade do Simão escolha a última nomeada. Portanto, vai a do urso branco.

Era uma vez um urso branco que caminhava, e caminhava, e caminhava — há muitos dias sobre o gelo e a neve. Ia visitar o seu amigo, o golfinho amarelo, que vivia com a menina azul no castelo verde. Mas tinha de andar muito, porque o castelo verde ficava longe, mesmo muito longe.

Pelo caminho, durante a longa viagem, o urso branco ia encontrando outros animais: gaivotas, águias, pombos, um pato, uma raposa, uma tartaruga e, até, um camelo do deserto que vinha patinar no gelo (coisas do clima, Simão).

E o urso branco cumprimentava-os sempre que passava por eles:

— Bom-dia, menina raposa. Bom-dia, senhor pato. Bom-dia, dona tartaruga. Bom-dia, senhor camelo…

Já perto do castelo verde, encontrou uma galinha vermelha que carregava um ovo muito grande e andava às voltas, cacarejando como quem ensaia ópera.

O urso branco perguntou-lhe se precisava de ajuda, pois aquele ovo enorme parecia muito pesado.

A galinha respondeu:

— Não, não é preciso. Estou só a embalar o meu bebé e a cantar-lhe uma lengalenga para adormecer.

O urso branco, que não sabia o que era uma lengalenga, sentou-se ali ao pé para ouvir o que a galinha cacarejava. E ouviu isto:

Era uma vez
Um gato maltês
Que tocava piano
E falava francês.
Queres que te conte outra vez?

Era uma vez
Um gato maltês
Saltou-te às barbas
Não sei que te fez.
Queres que te conte outra vez?

Era uma vez
Um gato maltês
Que tocava piano
Falava francês
A dona da casa
Chamava-se Inês
O número da porta era o trinta e três!
Queres que te conte outra vez?

Era bonito
Uma galinha pedrês
E um galo francês.
Eram dois
Ficaram três…
Queres que te conte outra vez?

Os olhinhos do Simão já piscavam e perguntei:

— Já estás a dormir, Simão?

Simão: — NÃO!

Continuei, com outra lengalenga que a galinha contava ao pinto, ainda dentro do ovo:

Era uma vez um cuco
Que não gostava de couves.
Chamaram um pau
Para bater no cuco
O pau não quis bater no cuco
O cuco não quis comer as couves
Ele ia sempre a dizer:
“Couves não hei-de comer!”

Chamaram o fogo
Para queimar o pau
O fogo não quis queimar o pau
O pau não quis bater no cuco
O cuco não quis comer as couves
Ele ia sempre a dizer:
“Couves não hei-de comer!”

Chamaram a água
Para apagar o fogo
A água não quis apagar o fogo
O fogo não quis queimar o pau
O pau não quis bater no cuco
O cuco não quis comer as couves
Ele ia sempre a dizer:
“Couves não hei-de comer!”

Chamaram o boi
Para beber a água
O boi não quis beber a água
A água não quis apagar o fogo
O fogo não quis queimar o pau
O pau não quis bater no cuco
O cuco não quis comer as couves
Ele ia sempre a dizer:
“Couves não hei-de comer!”

Chamaram o homem
Para ralhar com o boi
O homem não quis ralhar com o boi
O boi não quis beber a água
A água não quis apagar o fogo
O fogo não quis queimar o pau
O pau não quis bater no cuco
O cuco não quis comer as couves
Ele ia sempre a dizer:
“Couves não hei-de comer!”

Chamaram o polícia
Para prender o homem
O polícia quis prender o homem
O homem já quis ralhar com o boi
O boi já quis beber a água
A água já quis apagar o fogo
O fogo já quis queimar o pau
O pau já quis bater no cuco
O cuco já quis comer as couves

E foi assim que…

Era uma vez um cuco
Que já gostava de couves!

Os olhinhos do Simão já piscavam muito e perguntei:

— Já estás a dormir, Simão?

Simão: — XIM!

[…]

Simão (meio a rir, meio a acordar): — Vô… conta outa vez!

Sem comentários: