Já defendi antes o primado da palavra sobre a imagem, a
primeira é causa e consequência da inteligência superior, a segunda um recurso
comunicacional para os menos dotados intelectualmente.
Para escrever é necessário saber gramática e sintaxe, dominar formalmente a
escrita; pintar ou fotografar tanto pode ser resultado de conhecimento
adquirido (sobre a ortografia do visual e o domínio das técnicas), como
resultado de um acto aleatório ou fortuito (a tinta derramada sobre a tela, o
disparo acidental da câmara fotográfica), em consequência da subjectividade da
imagem em relação à objectividade da palavra.
Até há bem pouco tempo andei preocupado como o imperativo de ter algo
importante para dizer, pois não o tendo a escrita não alcançaria validação.
Intuía que a valorização da forma sobre o conteúdo era coisa pouco acertada e
que, portanto, enganava-me a mim próprio ao preterir este em relação àquela.
Recentemente, a leitura de textos de escritores que andaram às voltas com
semelhante problema revelou que afinal de contas não estaria assim tão errado.
A tal autenticidade de conteúdo que supostamente só se consegue tendo
experiência de vida, materializando a máxima “vive primeiro, escreve depois”,
com algo (muito, de preferência) para dizer, não passa de uma balela. Uma
falácia que tem passado por conquista do progresso e da modernidade. Uma
rejeição da própria arte, embora apresentada como construção vanguardista.
Essa sobrevalorização do conteúdo assente nas experiências da vida é a negação
de uma colossal evidência: o assunto de um texto seja vivido ou imaginado,
apenas existe através da forma e como manifestação dela. Quem não sabe escrever
não consegue comunicar pela escrita; ainda que o discurso de quem domina a
forma também possa ser desinteressante, quer porque o assunto abordado não
conquista o interesse do leitor, quer porque o escritor apenas escreve como
exercício de estética e sem preocupações em garantir a existência de um assunto
considerado.
Excepção para a comunicação feita entre iletrados de nível semelhante que se
entendem mesmo ignorando as regras da escrita (e da fala), que violam a
gramática e anarquizam a sintaxe, assassinando a língua, muitas vezes
misturando palavras amputadas e imagens iconográficas em mensagens que fazem
lembrar sinais de fumo que se elevam acima das montanhas ou batuques que ecoam
nas selvas.
E tudo isto é consequência da ‘evolução trágica’ ocorrida no século passado,
que nos transportou do culto exagerado do esteticismo à apologia do
filistinismo militante.
Chegámos ao reino da grosseria e da boçalidade travestidas de autenticidade da
cultura popular. Nada menos do que corrupção mental.
Eis uma das muitas revelações do triunfo dos porcos.
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