Plâncton

 



[publicado em CRÓNICAS DA PESTE, Abril 2022]


O Anatólio Silva estava aposentado dos serviços da EDP e mantinha o hobby da pesca desportiva nos rochedos da costa, não muito distante de casa. Tinha, até, um pesqueiro favorito o qual se apressava a ocupar cedo, ainda antes do cantar dos galos, sendo certo que poderia chegar ao pesqueiro a qualquer hora pois as redondezas estavam despojadas de seres galináceos, como ao longo do percurso entre a sua residência e o lugar de eleição para capturar sargos, douradas e robalos.

Num buraco abrigado, dois metros abaixo do miradouro natural que a arriba formava ali, com acesso por um trilho, sinuoso mas suave, há muito escavado pelas chuvas naquele terreno de arenitos e calcários misturados, o pescador contava com um excelente posto para as suas pescarias, a uns três metros da superfície das águas, altura que só reduzia consideravelmente na preia-mar das marés vivas.

A um lado da inusitada gruta, um rebordo saliente da rocha formava uma prateleira com uns quarenta centímetros de fundura e outro tanto de largura, que ele aproveitava para colocar os apetrechos e demais objectos necessários à sua estada que, por vezes, demorava meio dia, dependendo da sorte na pescaria ou das condições do mar.

Noutro canto também havia um arco horizontal de pedra saliente da rocha mãe, preso por duas extremidades, formando um buraco que parecia uma sanita, deixando um espaço completamente livre até às águas que marulhavam lá baixo, e por onde, por vezes, soprava uma coluna de ar comprimida pelos movimentos da massa de água que batia com maior ou menor violência contra o imponente maciço rochoso. E ele usava esse buraco para o fim a que a semelhança convidava, quando a natureza assim o exigia.

Num dia em que as águas balouçavam tranquilas e cristalinas, e a captura de pescado não se concretizava satisfatória, e acabando de obrar pelo tal buraco para alivívio da carga de feijoada ingerida na véspera, quando arrumava o estojo ouviu falatório no patamar superior, no tal miradouro natural que tantos forasteiros usavam para apreciar o rendilhado da costa que se desenvolvia para um e outro lado e a magnitude e beleza do oceano azul que se estendia até ao infinito.

Vencido o trilho sinuoso e apertado, chegou ao local e deparou com uma família de ingleses, e com o entusiamo dos dois miúdos que apontavam para o cardume de peixes que se alimentavam de uma matéria acastanhada, flutuante, e dispersa em mancha.

Ao aproximar-se recebeu o cumprimento do casal de turistas e, solícito na explicação naturalista às criancinhas, estendeu o braço e apontou o dedo ao pequeno cardume de peixes-rei, que se debatiam, comilões, e exclamou: - Sardine, sardine manja plâncton. PLANCTÔN! E recebeu Oh’s de admiração e yesses de entendimento.

Antes de chegar ao veículo motorizado que lhe serve de transporte, estacionado a escassos metros, ainda os ouviu repetir a revelação que lhes deixara, sabendo que não era essa riqueza, base de toda a vida marinha, que ali servia de alimento aos pequenos peixinhos prateados.


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