Eu, pecador, confesso-me


 

Como se pode religar algo que nunca esteve ligado? Não gosto de falar de religião porque é tema sobre o qual acho que nada sei, nem mesmo tendo tirado uma excelente nota a Antropologia das Religiões na Universidade. Falha-me a compreensão racional desse tema, pronto. Ponto.

Reparem, um Deus que deixa morrer o seu filho numa cruz para promover uma nova religião, é algo que hoje facilmente identificamos como uma operação de ‘marketing’. Nada mais do que isso. Depois, temos aquela questão de Ele ter morrido para nossa salvação, mas como é isso? Então, ele não ressuscitou? Ou seja, para nossa salvação Ele esteve ausente três dias… um fim-de-semana prolongado; não foi assim?!

Vocês chegaram a ler a encíclica ‘Fé e Razão’ do João Paulo II, em que supostamente concilia aqueles dois valores, um absolutamente dogmático e o outro racional?! Leiam, se se interessarem por exercícios de semântica, ou de fantasia ao melhor estilo de Lewis Carrol, mas sem personagens tão interessantes como as dos contos do poeta, matemático e diácono inglês da era Vitoriana.

Algumas das coisas que não compreendo radicam nisto: Dizem que Jesus veio ao mundo para redimir os nossos pecados. Que pecados, se eu não era nascido? É que o Livro não faz nenhuma alusão à reencarnação. Então, que pecados são esses?

Porque é que Deus tem preferência pelos profetas do Velho Testamento? É que segundo as tradições cristãs, todos os mensageiros da palavra divina (segundo o Novo Testamento), morreram de forma ignominiosa: O seu filho foi pregado numa cruz; Pedro também foi pregado, mas de cabeça para baixo; Saúl de Tarso (o grande propagandista) foi decapitado, assim como João Batista (mas este devido a um rabo de saia); Estevão foi apedrejado; Justino também foi decapitado, entre muitos outros que foram mortos de idênticas formas horríveis. Mas, em compensação, no Velho Testamento: Daniel é alimentado por um anjo e salvo da Cova dos Leões; Isaías mandava SMS a Deus e recebia as suas ordens; David, apesar de assassino, mulherengo, proxeneta e adúltero, pouco sofreu; Jonas foi engolido por uma baleia (ou um peixe-monstro, conforme as versões do Livro) mas não morreu; Jó viu a sua família e o seu gado morrerem, mas a sua mulher foi poupada e Deus deu-lhe outros filhos (morreram, portanto, os primeiros filhos, e devido a uma aposta!).
Parece que ser mensageiro de Deus antes da vinda do seu filho, Jesus, era muito mais pacífico.

Só acreditando que tudo, absolutamente tudo, naquele livro é metafórico e simbólico poderia aceitar o seu conteúdo. Mas o livro é uma obra da Fé, ou seja, do Acreditar Cegamente sem qualquer questionamento. Por isso assenta em tantos e repetidos paradoxos que foram sendo reescritos, adaptando-se a explicações teológicas que foram surgindo em resposta ao crescente questionamento racional dos textos. Trata-se de adaptar as respostas às perguntas à medida que estas vão surgindo. É como as profecias do Nostradamus, ou do nosso Bandarra; há sempre quem as adapte posteriormente aos acontecimentos. Uma estratégia vencedora e, para mentes que não questionam, o ardil perfeito.

É claro que o Livro Sagrado não suscita nenhuma dúvida, pelo menos a dois tipos de pessoas; àqueles que se agarram à fé e não questionam nada (com medo de irem para o Inferno?); e àqueles que nunca o leram (e há muitos que reúnem as duas condições!).

Acreditar Cegamente sem qualquer questionamento é algo que a Ciência não admite no seu âmago; a dúvida permanente, a interrogação reiterada, a verificação e validação das suas leis, transitórias, são uma obrigatoriedade do mundo racional; aquele que faz voar aviões, reduz doenças com vacinas e novas terapias; projecta a humanidade para as estrelas e resolve os problemas da produção de alimento para todos os habitantes do planeta (o facto de não chegar a muitos é um problema das políticas e das irracionalidades, tantas vezes protagonizadas por fantasias religiosas; e não uma incapacidade da ciência ou da tecnologia); coisas que a Fé não fez. Nem uma montanha moveu, alguma vez.

Ámen.

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