Dos velhos do Restelo aos velhos dos Marretas

Dos velhos do Restelo aos velhos dos Marretas e aos outros, mais ou menos, velhos.


Statler: Olha, Waldorf! Meteram mais uma "obra de arte" na rotunda.

Waldorf: Ah, sim... Parece que um andaime caiu sobre um camião de tinta!

 

Statler: Ou talvez seja um monumento ao orçamento perdido...

Waldorf: Não sejas mau. Aposto que custou apenas o triplo do necessário!

 

Statler: Mas o que será que simboliza?

Waldorf: Talvez a agonia da estética pública. Em agonia... e em vermelho vivo!

 

Statler: Lembras-te quando arte era feita com talento?

Waldorf: Sim. Agora basta ter uma grua e lata de tinta industrial.

 

Statler: Dizem que é para “provocar diálogo”.

Waldorf: Então está a funcionar — porque eu estou a gritar internamente!

 

Statler: Achas que alguém vai perceber o significado?

Waldorf: Claro que sim... o artista, o curador e mais dois críticos em coma induzido!

 

Statler: E se chover, será que enferruja?

Waldorf: Com sorte, dissolve-se e volta para o lugar de onde nunca devia ter saído: o estaleiro!

 

Statler: Bem, ao menos serve para uma coisa…

Waldorf: Qual?

Statler: Fazer-nos parecer uns velhos resmungões!

 

Ambos (em uníssono):

E com muito orgulho! AH AH AH AH AH!

 

Não tenho conhecimentos suficientes para ficcionar o diálogo entre um par de críticos de Arte com visões opostas, só posso registar a existência do tema enquanto fonte de discussão contemporânea: o primeiro, Jean Clair, ex-director do Musée Picasso e crítico mordaz da arte contemporânea, tem sido uma voz crítica contra o que considera a banalização e o vazio conceptual da arte dita "de vanguarda". Defende uma ligação mais rigorosa entre arte, tradição e qualidade formal, mostrando cepticismo face à arte provocatória que vive da escandalização mediática:A arte contemporânea tornou-se um teatro de gestos infantis, muitas vezes legitimados apenas pelo valor de choque ou pela cumplicidade institucional."; e o segundo, Boris Groys, Filósofo e crítico influente, tem escrito sobre a arte contemporânea no contexto da sociedade do consumo e do espectáculo. Ao contrário de Clair, tende a aceitar — e até valorizar — a lógica paradoxal da provocação como parte do papel da arte nas sociedades modernas: "A arte contemporânea é o lugar onde o banal pode tornar-se sublime — desde que o contexto e o discurso o permitam."

Ou seja, nem passa pela cabeça dos velhos dos Marretas, que a arte pública pode ser intencionalmente polémica e que o escândalo ou o desconforto são instrumentos deliberados de legitimação. A provocação, outrora subversiva, assume aqui um estatuto funcionalista: gerar reacção para justificar existência. Esta inversão é sintomática de uma era saturada de estímulos e anestesiada pela neutralidade – onde o ruído é confundido com relevância.

No entanto, e sendo certo que muitas obras de vanguarda enfrentaram resistência inicial – pense-se na Torre Eiffel p. ex. – tal não legitima a fórmula "obras polémicas hoje, ícones amanhã". Essa leitura simplifica processos culturais complexos, omitindo os critérios intrínsecos de qualidade, inovação e contexto histórico que sustentaram a posterior consagração.

Temer o risco da indiferença constitui, frequentemente, a motivação para a adopção de arte pública potencialmente polémica. Por um lado, é verdade que as obras que não suscitam qualquer emoção podem cair na irrelevância; no entanto, uma peça de arte que serena os ânimos não é, por si só, prova de fracasso. Nem toda a arte pública deve chocar para ser pertinente. Pode, antes, sugerir, confortar, integrar-se no tecido urbano com discrição e dignidade. A durabilidade simbólica de uma obra não depende unicamente da sua capacidade de dividir opiniões.

A arte pública deve, sim, dialogar com o seu tempo e espaço – e a eventual controvérsia não deve ser fim, apenas consequência casual. A verdadeira grandeza de uma obra não reside em ser falada, mas em permanecer significativa. E isso, só o tempo dirá.


 

 

 


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