Onde é que está a piada?

Portugal, esse pequeno rectângulo à beira-mar plantado e ocasionalmente afogado em burocracia, é um país de paradoxos gloriosos. Fomos grandes conquistadores, donos de meio mundo, e hoje não conseguimos ser donos de uma casota de cão.

Portugal, meus caros, é o país que Deus criou num dia de boa disposição e depois deixou em modo de manutenção. É pequeno, é pitoresco e tem uma capacidade infinita para fazer muito com pouco — e ainda menos quando se tenta fazer bem.

Temos 943 km de costa, peixe fresquíssimo… mas com o que ganhamos só compramos cavalas. Inventámos o Multibanco com mais funções do que um canivete suíço — paga-se tudo, menos a paciência para quem está à nossa frente a saldar todas as facturas do mês, quando nós apenas queremos levantar 10 euros em moedas.

Temos um povo gentil, hospitaleiro e mestre em dar indicações complexas:
— “Vai em frente, vira à direita onde era o talho do Felisberto, que agora é cabeleireiro, depois segue até à rotunda que tinha um mamarracho que já não está lá... e pronto, é logo ali.”

Fazemos das maiores crises nacionais uma conversa de café. A inflação? Um drama. As incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos, uma novela. O preço da gasolina? Um thriller psicológico. Mas no fim, tudo se resolve com um "é o que temos" e uma mine de 20 cl.

E o clima! Temos Sol, temos praia, temos calor… e uma população que no Inverno suspira pelo Verão e no Verão apanha escaldões e deseja que ele acabe. Mas temos um clima perfeito, Sol o ano inteiro. Excepto quando chove. Aí chove tudo o que não choveu nos anos anteriores.

Infra-estruturas? Maravilhosas. Temos auto-estradas impecáveis que custam um rim por quilómetro, comboios que funcionam em dias ímpares com lua cheia, e um aeroporto onde os voos chegam com atraso e as malas com amnésia. As escolas e os transportes funcionam todos os dias, excepto à sexta-feira, que é dia de greve.

A saúde? Um luxo! Primeiro porque é grátis, depois porque é quase impossível aceder a ela. Marca-se consulta hoje e espera-se com fé: três meses, um ano, ou o milagre da ressurreição. O importante é não adoecer com pressa.

A cultura? Temos. Está guardada num arquivo algures, à espera que alguém a digitalize. Temos orgulho no Fado, essa expressão da alma nacional — canções tristes que ouvimos com ar feliz, entre garfadas de bacalhau e aplausos ritmados por copos de vinho tinto.

A economia? Uma maravilha. Somos campeões mundiais em abrir pastelarias, bares noturnos, alojamentos locais e inaugurar rotundas. E se a coisa apertar, há sempre a solução mágica: aumentar impostos. Quem precisa de petróleo quando se tem contribuintes?

O povo? Extraordinário. Capaz de resmungar durante meia hora por causa do preço da gasolina... e depois fazer 300 km para comer leitão. Gente que se indigna com tudo e com um talento especial para a queixinha: “Isto na Suíça não era assim.” Pois não, na Suíça eles não têm saudades do antigamente. Nem sequer sabem o que é Saudade. Nem antigamente.

E a justiça? Ai, a justiça. Rápida como um caracol asmático. Processos que duram tanto que, quando sai a sentença, o arguido já tem bisnetos e o juiz está reformado no Qatar. Mas há que confiar, porque no fim… o importante é o sentimento de impunidade ser igual para todos.

Mas o melhor de Portugal são os portugueses. Criativos por necessidade, resistentes por teimosia, simpáticos por instinto e campeões do improviso. Damos um jeitinho em tudo — até na História: — “Descobrimentos? Claro, fomos nós. Brasil? Está ali, ó. Índia? Também lá fomos. O GPS? Não havia, mas tínhamos os pilotos do Infante Dom Henrique, que iam na corrente ou soprados pelo vento e nunca se enganavam; quando queriam ir para a Índia, embicavam no Brasil, etc. etc.”

Mas atenção: somos um povo alegre. Que faz piadas com tudo. Com a política, com os impostos, com o futuro. Rimos da tragédia com tanto profissionalismo que já podíamos exportar ironia em garrafa. Porque, afinal, como diz aquele comentário sábio: — “Isto só visto. Contado, ninguém acredita.”

Agora dou a palavra ao grande vate da nossa cultura, Luís Vaz de Camões:

"Ó glorioso auditório, ó nobres espíritos deste vale lusitano,

Vinde ouvir com paciência — ou ao menos com vinho — a epopeia tragicómica

De um reino onde os deuses se distraíram

E os mortais improvisam com engenho o que os orçamentos negam!"

 

Senhores e senhoras, mui distintos ouvintes,

Aqui me apresento, não como profeta, nem como político (que é quase o mesmo),

Mas como pobre cronista das desventuras de um povo heroico e pachorrento,

Que descobriu meio mundo — e depois perdeu o PIN da Caixa Geral.

 

Portugal! Nome que outrora fazia tremer os mouros e estremecer as ondas,

Hoje, faz estremecer o cidadão comum quando recebe a conta da luz.

Fomos gigantes do mar, senhores dos ventos, donos do cravo e da pimenta,

E hoje, contentamo-nos com 10% de desconto na loja do chinês.

 

Ó Musa do Ridículo Nacional, inspira-me!

Conta-me como este povo se levanta às seis para ir trabalhar,

E se deita às três porque ficou a ver reality shows de gente que não sabe conjugar o verbo “ir”.

Conta como resistimos a invasões francesas, espanhóis e aos próprios portugueses

— Que, com mestria, saqueiam a pátria… mas com factura.

 

“Em terras onde outrora se erguia Viriato,

Hoje reina o desvio orçamental e o voto ingrato.”

 

Vede os nossos heróis do quotidiano:

O reformado que, com 400 euros, paga renda, remédios, e ainda empresta aos netos.

A enfermeira que trabalha em três turnos para ser insultada pelos doutores do Facebook.

O estudante que sabe de cor todas as guerras púnicas,

Mas que jamais decifrará o IRS.

 

A justiça, senhores… oh, a justiça!

Tarda mais do que o D. Sebastião, e vem com mais anexos do que uma escritura notarial.

Quando chega, ninguém se lembra do crime, nem do arguido.

— “In dubio pro réu”, diz a sentença.

E logo o réu compra uma vivenda com piscina em nome da sogra.

 

“Ó tempo, volta para trás,

Mas só até ao ponto em que ainda havia esperança no orçamento participativo.”

 

Mas não sejamos injustos! Portugal é também país de esperança, de beleza e de resistência.

De gente que ri de si própria com um talento que daria para exportar stand-up aos quilos.

De senhoras que sabem mais de política do que o Parlamento,

E de taxistas que previam crises antes dos economistas saberem soletrar “recessão”.

 

Senhores, não é que nos falte glória — sobra-nos é glorificação póstuma.

Quando morremos, somos génios. Em vida, somos “vagamente incómodos”.

Eu expirei pobre. O Pessoa finou-se ignorado. E vós... bem, vós morreis às prestações.

 

“Aqui se ri, não por desdém, mas por desespero afinado.

Porque o povo que canta fado com lágrimas

É o mesmo que faz piadas enquanto arde a casa”

 

E assim vos deixo, ó auditório atento,

Com a lição de que Portugal é eterno — não porque tudo funcione,

Mas porque mesmo quando tudo falha, há sempre quem diga:

— “Isto ainda vai lá... se Deus quiser. E se a UE ajudar.”

 

Feliz Dia Internacional da Piada — e não se preocupem se não perceberem logo a piada. Em Portugal, ela costuma aparecer publicada no Diário da República, nos decretos do Ministério das Finanças – Direcção Geral das Contribuições e Impostos.

 


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