A Literatura e o Papel Estampado



Há, por estes dias, quem se dedique à produção de best-sellers com a ligeireza de quem nem tempo tem para os redigir. Publicam em catadupa, como se a pena lhes escorresse da mão com uma fluidez milagrosa; mas, à leitura atenta, descobre-se nas suas obras uma sucessão de estranhas e incongruentes variações de estilo, como se a cada volume correspondesse um autor diverso. E, no entanto, os leitores menos atentos — esses fiéis consumidores daquilo a que poderíamos chamar “romance à resma” — não se escandalizam com a frenética produtividade desses senhores (ou senhoras), cujos dias estão, sabemo-lo, ocupados com outros afazeres bem mais mundanos.

 

O que esses autores produzem — e que, com avidez, os livreiros colocam nos escaparates — não é literatura digna do nome, mas excremento tipográfico que usurpa o lugar reservado à verdadeira arte. Trata-se, apenas, de papel estampado com motivos recreativos, matéria de consumo efémero que não eleva, não transforma, não perdura. Não é Literatura. Não é Arte.

 

É certo que a literatura pode — e deve, em certas ocasiões — divertir, entreter, recrear. Mas não pode esgotar-se nessa função. Quando se reduz ao puro escapismo, torna-se serva do mercado, e o seu valor espiritual anula-se. E por que se impõe, então, este paradigma? Porque quem hoje determina o mercado e constrói o conceito de best-seller não é a inteligência crítica, mas a carneirada consumista que devora, das prateleiras dos hipermercados, tudo quanto o marketing editorial decide fabricar. E os editores, ávidos de lucro fácil, têm um só objectivo: vender toneladas de papel impresso, como se a quantidade substituísse a qualidade.

 

Eu escrevo — mas não sou, nem pretendo ser, escritor. Escrevo para ordenar ideias; por vezes, para me rever no que escrevo como quem se contempla num espelho; noutras ocasiões, para erigir metas que me forcem à superação. Mas, não sendo nem aspirando a ser escritor, presto a minha homenagem àqueles que sentem a vocação de escrever para os outros, e o fazem com mestria, rigor e alma.

 

Entre os que mais admiro contam-se três nomes das letras portuguesas contemporâneas: Hélder Macedo, Miguel Real e Mário Cláudio. Cada um deles, a seu modo, demonstra que a literatura não é artesanato ligeiro, mas construção laboriosa e erudita. Qualquer um destes autores ofusca, com facilidade, os chamados “jornalistas-escritores” — e outros palhaços da moda literária — que fabricam best-sellers com o mesmo espírito com que se monta um espectáculo para entreter a turba. Obras essas que estão para a Literatura como os filmes da Disney estão para a Banda Desenhada: entretenimento fácil, diversão leve… e uma boa dose de banalidade.

 

É certo que alguns desses autores não se arrogam mais do que são — e, nesse caso, não há censura que lhes caiba. Mas há outros que ocupam lugares de destaque injustamente — e em detrimento de vozes literárias autênticas, que labutam na sombra, produzindo obras de valor e de mérito.

Esta realidade não é exclusiva do mundo das letras — mas é importante recordar que, na Literatura, como em tantas outras esferas da criação, também impera a injustiça dos holofotes.

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