Não dialogo, declaro!

 

Temos dois ouvidos, mas apenas uma boca; portanto, a nossa natureza convida-nos a escutar mais do que a falar. Porém, cada vez mais, a sociedade se esquiva de ouvir as partes e de construir uma opinião consciente sobre os factos. No mundo actual já não há muitas discussões genuínas; as pessoas já não querem debater, preferem as suas convicções ou o silêncio. Ora, como nos diz Zygmunt Bauman: «O verdadeiro diálogo não é falar com pessoas que acreditam nas mesmas coisas que nós acreditamos».

Quem tem consciência e um nível intelectual substancial tem o dever de dizer tudo quanto pensa; só dessa forma poderá combater o achismo que prolifera nos discursos dos ignorantes. Mas é verdade que o empenho e a disponibilidade para ouvir os outros, na sua alteridade e diversidade, num diálogo sincero que aceite o diferente não como adversário, mas como concidadão partilhando dos mesmos sentimentos de fraternidade, é algo difícil na presente sociedade, em que pontifica o ruído e os dogmas irracionais partilhados por multidões.

Por exemplo: defender que devemos respeitar as opções religiosas dos outros, nomeadamente as idiotices que pretendem desmentir o conhecimento científico, equivale a colaborar em autos-de-fé semelhantes àqueles que a Santa Inquisição protagonizou ao longo de três séculos. E não é de admirar, pois o pensamento religioso está sempre pronto a apontar e a criticar, até torturar e matar, os infiéis ao seu dogma. Essa podridão religiosa, composta por Igrejas e proclamados vigários de Deus, é um lastro insuportável e retardador do progresso da Humanidade.

Peroram umas igrejas evangélicas que a Terra foi criada como Reino de Deus há cerca de 6 mil anos e, consequentemente, nada pode ser mais antigo do que isso; e que o ‘reino’ é plano e não esférico. Ora, pactuar com estes disparates constitui uma afronta ao conhecimento adquirido ao longo dos últimos milénios e representa um criminoso retrocesso civilizacional.

Acresce que esta gente desmiolada fala de ‘barriga cheia’, gozando as conquistas da Ciência e da Tecnologia, que lhes permite voar pelos ares, contactar em segundos com os antípodas e tratar com sucesso as mais verrinosas doenças. E esta gente ignorante, e as suas ideias asininas, deve ser respeitada? Gente enganada e temerária que engana outros mais, é gente cega e perigosa para a Humanidade.

O problema dos ignorantes não radica exactamente numa total ausência de conhecimento, mas no facto de terem alcançado conhecimento suficiente para acreditarem naquilo que lhes foi transmitido, mas não suficiente para o questionarem. Essa alienação mental não é uma alienação total, de quem vive à margem da sociedade e dos acontecimentos, mas uma alienação do exercício da reflexão e do questionamento permanentes. Entre a preguiça e a estultícia campeia a perigosa e destrutiva ignorância.

Face a isto, como cultivar o diálogo? Eis porque também tantos intelectuais cada vez mais optam pelo axioma: «Não dialogo, declaro!», engrossando o exército dos que já não querem conversar.




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