O que tem a família real portuguesa de
substancialmente diferente das outras realezas europeias? E essas têm-se
portado melhor do que as "realezas" republicanas? Considerando, até,
os laços de sangue (densificado por gerações de matrimónios consanguíneos), o
feito mais importante da recuperação da coroa em Portugal seria realçar de novo
o prognatismo mandibular dos Habsburgo, esse castigo genético que ainda
perdurará por gerações porque até lá prevalecerá o ADN de séculos de aberração endogâmica.
O mal não está no regime nem no
sistema mas sim, e apenas, nas pessoas. Nas que exercem o poder e nas que os
apoiam (nós todos).
Alguns monárquicos afirmam que o
regime republicano nunca se plebiscitou, mas a monarquia também não. No meio de
tantos reis palermas até podíamos ter algum capaz (e aceito que já tivemos),
mas o mesmo acontece com um Presidente da República. Não sou contra a monarquia
(obviamente tratando-se de uma monarquia parlamentar - mesmo considerando que a
nossa assembleia é, muita vezes, mais "para lamentar"). Mas porque é
que o herdeiro ao trono não se candidata a Presidente da República? Tem o mesmo
direito que qualquer outro cidadão (já um cidadão, por mais capaz e maior valor
que tenha, jamais se poderia "candidatar" a monarca!). A monarquia,
encarada como muitos dos seus defensores a encaram, fundeados numa história de efabulásticos
feitos históricos, não passa de uma ilusão.
Dizer que a República falhou
redondamente é dizer que o povo português é totalmente incapaz. E se o povo é
incapaz para que precisa de um rei capaz? Não serviria de nada. Ou o povo é
bom, ou não é e tem de se tornar. Sendo mau, tanto faz ter um bom rei ou um bom
PR, ou seja, ter apenas um bom chefe de Estado não resolve nada – em
Democracia, claro.
«Quando, em 1889, D. Carlos inicia o
seu reinado, o país está em vésperas de bancarrota, ou, dito por outras
palavras, não há dinheiro para comprar no estrangeiro aquilo que os Portugueses
necessitam para as suas vidas quotidianas, que o país praticamente não produz.
A única solução que o Estado encontra é pedir dinheiro emprestado no
estrangeiro, agravando a já de si grande dívida pública.»… «O “país da tanga”
vai pedindo dinheiro emprestado lá fora e, cá dentro, D. Carlos I continua a
gastar bem, recebendo, como “adiantamentos”, importantes somas de dinheiro.
Apesar do país lhe facilitar uma vida luxuosa e parasitária. Os últimos anos do
rotativismo foram marcados por sucessivos escândalos financeiros, enquanto a
maioria dos portugueses permanecia na miséria.» do António Mota de Aguiar
[suprimi
do texto uma afirmação que considero não confirmada (por não existir qualquer
referência a fonte coeva credível), e que atribui a D. Carlos a qualificação de
"piolheira" referindo-se a Portugal.]
Não sou um defensor incondicional da
República, mas arranjo-lhe facilmente tantos predicados apologéticos, quantos ouvir
em defesa da monarquia. Mas insisto, aquilo que devemos defender é a cultura do
mérito; e o mérito não é uma qualidade intrínseca da nobreza. Não o é de nenhum
estrato social. É algo que se cultiva, e de que se cuida, como se de plantas se
tratasse. Eu não acredito na supremacia do inato sobre o adquirido. Portanto,
sou residualmente republicano.
Não
tentem encontrar um paradoxo em quem prefere Locke a Rousseau, preferindo no
entanto o modelo da república francesa ao modelo de monarquia parlamentar
britânica. É que a História dos povos raramente foi a História dos Reis (enganos
da historiografia ao serviço da política, dos movimentos das nacionalidades e
da formação dos estados), antes foi história escrita pelos ministros (e o caso
da Grã-Bretanha ilustra isso perfeitamente – não fossem os ministros e a ilha
ter-se-ia afundado há muitos séculos, às mãos incompetentes dos monarcas). Veja-se
o nosso caso no período áureo, nos séculos XVI e XVII, com a nobreza analfabeta
e incompetente comandando esquadras e perdendo-as repetidamente contra navios
mais fracos que os nossos, comandados por oficiais ingleses e holandeses
treinados em escolas de marinharia, muitos deles nobres, mas também muitos
plebeus. A diferença residiu apenas numa coisa: Mérito.
Uma
última questão acerca da recuperação do sistema monárquico para Portugal.
Presumo que os seus defensores propugnem por uma monarquia parlamentar e, nesse
caso, que diferença substancial representará para os portugueses ter um Rei em
vez de um Presidente? A natureza do parlamentarismo e a qualidade dos políticos
(deputados, ministros, etc.), muda só por esse facto? Isto é, que diferença se
poderá verificar na governação?
Acho
que mais uma vez voltamos ao cerne da questão: mérito, educação, cidadania. Sem
esses ingredientes não há república nem monarquia que promova democracia.
Portanto, para quê uma cabeça coroada?
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