Mostrar mensagens com a etiqueta Acordo ou desacordo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Acordo ou desacordo. Mostrar todas as mensagens

Reacções ao AO (Atentado Ortográfico)

Malaca Casteleiro, “pai do acordo”,  para além de ser responsável pela versão “portuguesa” do surrealista dicionário brasileiro Houaiss e coordenador do sinistro dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (o tal em que “eau-de-toilete”, só com um ‘t’, é considerada uma palavra portuguesa, tal como “stafe”, “icebergue”, “bué”, “cretcheu” e “guterrismo”…), também é… indiano.

completo aqui

Sobre o AO90



Sobre o AO90
(...)
Uma língua é um organismo vivo e, segundo o seu contexto social, geográfico, histórico, demográfico, económico, geopolítico, transforma-se imprevisivelmente. É a multiplicidade livre dos movimentos que fazem evoluir naturalmente uma língua que permite o surgimento de casos extremos, geniais, que subvertem a língua ao ponto de inventarem novas sintaxes dentro da sintaxe habitual: esses casos, revolucionários, como o de Guimarães Rosa ou de Pessoa, só são possíveis quando o espaço virtual de liberdade interna da língua se solta e ousa, para além do uso rotineiro e correcto da gramática.
Então nascem novas gramáticas (como a do Livro do Desassossego ou a do Grande Sertão: Veredas), novas palavras e expressões, os horizontes da língua abrem-se indefinidamente (até onde Pessoa poderia ter ido para além de onde foi? Ninguém duvida de que poderia ter ido mais longe ainda, mas ninguém sabe para onde e até onde teria ido). Então descobre-se a maravilha de ser possível uma outra expressão linguística, um insuspeitável sentido das coisas, um outro pensamento. E uma outra expressão é uma dimensão até ali escondida, por dizer e para ser dita, da liberdade. Porque impede (ou entrava) tudo isto, o AO é repressivo e destruidor.
Mas não são só as possibilidades dos casos extremos que são afectadas. Porque todos nós vivemos nesse meio natural das distâncias soltas e invisíveis que a língua cria a cada instante: no calão (língua do corpo), no humor, no jogo certeiro de um argumento, na invenção, por uma criança, de um palavrão. Vivemos mergulhados na liberdade da língua, para a qual permanentemente contribuímos. É que nós dizemos mesmo o que não sabemos que dizemos. Através do inconsciente da língua, o sentido físico, arcaico, dos fonemas, as sensações ligadas às letras, a doçura e a aspereza do ar inspirado e expirado no som inarticulado ou palreado pelo bebé são retomados sem o saber pelo adulto na palavra articulada. A ortografia é afectiva, polissémica, racional e fugidia, conectiva e disjuntivas (aliterações, ressonâncias, ritmos, cromatismos, etc.), indutora de associações com novas palavras e construindo non-sens. Induz um espaço indefinido de criação. Como eu amava «auto-retrato» e me sinto esmagado pelo «autorretrato»! Porque contraria este movimento natural da escrita, o AO é néscio e grosseiro.
Um último efeito, talvez o mais grave: o Acordo mutila o pensamento. A simplificação das palavras, a redução à pura fonética, o «acto» que se torna «ato», tornam simplesmente a língua num veículo transparente de comunicação. Todo o mistério essencial da escrita que lhe vem da opacidade da ortografia, do seu esoterismo, desaparece agora. O fim das consoantes mudas, as mudanças dos hífenes, a eliminação dos acentos, etc., transformam o português numa língua prática, utilitária, manipulável como um utensílio. Com se expusesse todo o seu sentido à superfície da escrita. O AO afecta não só a forma da língua portuguesa, mas o nosso pensamento: com ele seremos levados, imperceptivelmente, a pensar de outro modo, mesmo se, aparentemente, a semântica permanece intacta. É que, além de ser afectiva, a ortografia marca um espaço virtual de pensamento. Com o AO teremos, desse espaço, limites e contornos mais visíveis que serão muros de uma prisão, onde os movimentos possíveis da língua empobrecerão. Como numa suave lavagem ao cérebro.
José Gil

Quatro trabalhos pró boneco



QUATRO TRABALHOS PRÓ BONECO
Fernando Venâncio

Para que serviu, digam-me lá, o dr. Malaca Casteleiro e a equipa da Porto Editora terem, em 2009, produzido um «Vocabulário Ortográfico» do Português? Para nada. [Honra seja, sim, à lexicógrafa Ana Salgado, da mesma editora, que, na LER de Junho de 2012, lançava sérias objecções ao AO90].

Para que serviu, digam-me lá, o Estado ter investido na equipa técnica da dra. Margarita Correia, do ILTEC, na produção de um «Vocabulário Ortográfico» do Português? Para nada.

Para que serviu, digam-me lá, os drs. Artur Anselmo e Telmo Verdelho terem, em 2012, fabricado, para a Academia das Ciências de Liboa, um «Vocabulário Ortográfico» do Português? Para nada.

Para que vai servir, digam-me lá, o afã - que suspeito gigantesco, e caríssimo - de certa e etérea comissão que, para a CPLP (ou é outro o mandante?), está a engendrar um «Vocabulário Ortográfico Unificado» (será chamado assim?), quando o Brasil não vai ceder no seu «Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa» (upa upa!) e Moçambique e Angola não estão propriamente interessados? Pois, para nada.

Os produtos contradizem-se (pudera, a matéria é rebelde) e são, só por isso, igualmente e profundamente INÚTEIS.

Tudo isto é uma DESORDEM de cima a baixo, ninguém vai pôr aqui lógica nenhuma, e nós, os que escrevemos, e eles, os professores que ensinam, estamos lixados, e não se vê como pôr travão nisto.

Resta resistir. E unir os esforços da maralha. E, onde necessário, desobedecer.

A falsa unidade ortográfica



A falsa unidade ortográfica *
Maria Regina Rocha**
«Para que serve um “acordo ortográfico”? Para unificar a ortografia de povos que falam a mesma língua. Ora, com este acordo, a ortografia da Língua Portuguesa não se unificou», sustenta a professora Maria Regina Rocha, neste artigo, saído originariamente no jornal Público de 19-01-2013.
________________________________________
O Acordo Ortográfico está em causa. Instituições e publicações há que o aplicam; outras, que o rejeitam. O grande público contesta-o, e a esmagadora maioria dos cidadãos não consegue compreender o que se está a tentar fazer à Língua Portuguesa.1
Efectivamente, embora genericamente as pessoas estejam contra esse acordo, infelizmente a forma como se extremaram posições levou a que, num determinado momento, quem tinha o poder político lhe conferisse força de lei, sem uma atenta e lúcida reflexão sobre o mesmo e as suas gravíssimas implicações, sobretudo de natureza linguística e cultural, com repercussão no ensino e no domínio da língua.
Como ainda estamos em fase de transição e as leis são os homens que as fazem, esperemos que as razões serenas e lúcidas se imponham e façam com que aqueles que representam o povo legislem de acordo com o supremo interesse do país e da língua portuguesa, seja ela falada onde for.
Lembro apenas, como precedente, que o Acordo Ortográfico de 1945 foi nessa data assinado por Portugal e pelo Brasil, que o Brasil o tentou aplicar durante dez anos e que, em 1955, rendido à especificidade do registo ortográfico da variante do Português do Brasil, revogou esse acordo. Assim, se Portugal tomar a iniciativa de reflectir e, com razões ponderosas, reformular o texto do Acordo actual, não fará nada de inédito nem beliscará as relações entre os países envolvidos. Aliás, será de referir, ainda, que, recentemente, o próprio governo brasileiro anunciou que vai adiar a obrigatoriedade da aplicação do acordo para 2016…
Focando, então, o Acordo actual, em primeiro lugar, deverei dizer que uma pessoa com formação linguística naturalmente que não estaria, à partida, contra um acordo ortográfico. E deverei dizer, ainda, que houve, neste acordo, tentativas (embora não totalmente eficazes) de resolver algumas questões ortográficas relativamente à grafia de novas palavras, concretamente no que diz respeito à utilização do hífen.
No entanto, este acordo enferma de um grande pecado original: não alcança minimamente o apregoado objectivo da unidade na ortografia.
Para que serve um «acordo ortográfico»? Para unificar a ortografia de povos que falam a mesma língua. Ora, com este acordo, a ortografia da Língua Portuguesa não se unificou. Tentei obter resposta a uma pergunta simples: quantas palavras se escreviam de forma diferente no Brasil em comparação com a forma como as mesmas palavras se escreviam em Portugal e nos restantes países de Língua Oficial Portuguesa antes do Acordo e depois do Acordo? Não consegui obter uma resposta objectiva da parte de defensores do Acordo Ortográfico. Pergunto: parte-se para a tentativa de aplicação de um acordo ortográfico sem se saber claramente quantas palavras é que mudam na ortografia?
Assim, procurei a resposta, consultando o «Vocabulário de Mudança» disponibilizado no Portal da Língua Portuguesa (http://www.portaldalinguaportuguesa.org/).
E, considerando a informação aí veiculada, a resposta é a seguinte (contagem feita manualmente): antes do Acordo – e exceptuando as palavras com alteração do hífen, as palavras graves acentuadas no Brasil e não em Portugal (como idéia–ideia) e as palavras com trema (pelo seu número residual e por tais situações afectarem sobretudo a ortografia brasileira) –, havia 2691 palavras que se escreviam de forma diferente e que se mantêm diferentes (por exemplo, facto–fato), havia 569 palavras diferentes que se tornam iguais (por exemplo, abstracto e abstrato resultam em abstrato), e havia 1235 palavras iguais que se tornam diferentes.
Está a ler bem: com o Acordo Ortográfico, aumenta o número de palavras que se escrevem de forma diferente!
Isto é, havia 1235 palavras que se escreviam da mesma forma em Portugal e no Brasil que, com o Acordo, mudam, a saber: 190 ficam com dupla grafia em ambos os países (por exemplo, circunspecto e circunspeto); 57 ficam com dupla grafia mas só em Portugal (por exemplo, conceptual e concetual, que no Brasil se escreve conceptual, mantendo a consoante p); 788 mudam para uma das variantes que existem no Brasil, por vezes a menos utilizada ou a considerada mais afastada da norma-padrão (por exemplo, perspetiva: em Portugal, só se admite esta forma – sem c –, mas no Brasil admitem-se duas, perspetiva e perspectiva, sendo esta última a preferencial); finalmente, 200 mudam para uma até ao momento inexistente e que passa a existir apenas em Portugal (por exemplo, receção, que no Brasil só admite a forma recepção, que passa a não ser possível em Portugal).
Esta última situação é a mais aberrante: são 200 as palavras inventadas, que não existiam e passam a ser exclusivas da norma ortográfica em Portugal. Alguns exemplos: em Portugal, com o Acordo, passa obrigatoriamente a escrever-se aceção, anticoncetivo, conceção, confeção, contraceção, deceção, deteção, impercetível, enquanto no Brasil se escreve obrigatoriamente acepção, anticonceptivo, concepção, confecção, contracepção, decepção, detecção, imperceptível.
O problema diz, pois, respeito sobretudo à grafia das palavras que contêm as vulgarmente chamadas «consoantes mudas». Segundo os referidos dados do Portal da Língua Portuguesa, com o Acordo Ortográfico, no que diz respeito às palavras que mudam, no Brasil continuam a escrever-se 1235 palavras com essa consoante etimológica (978 de dupla grafia e 257 que se escrevem só com a manutenção da consoante), enquanto em Portugal e nos restantes países de língua oficial portuguesa, esse número desce para 247, e todas com dupla grafia!
Leu bem: no Brasil, são 1235 as palavras em que se mantém essa consoante, enquanto em Portugal e nos restantes países de língua oficial portuguesa são apenas 247!
Em Portugal, altera-se a ortografia fazendo desaparecer as referidas consoantes e, afinal, no Brasil, essa ortografia de cariz etimológico mantém-se!
Não vou aqui falar da questão da dupla ortografia e de fragilidades e incorrecções presentes nos textos referentes ao Acordo Ortográfico, que têm um efeito negativo no ensino, na aprendizagem e no domínio da Língua Portuguesa (tal poderá ser objecto de outro artigo).
Aqui apenas estou a referir como falsa a propalada unidade ortográfica!

1 N.E. – Em Portugal, até à presente data – ou seja, a pouco mais de meio do período de adaptação das novas regras – é a seguinte a lista da aplicação, ou não, nos 10 periódicos com maior circulação:
AO/NÃO publicação circulação
AO Correio da Manhã 15,3
AO Jornal de Notícias 12,7
AO Record 10,8
AO A Bola 10,3
AO Expresso 7,5
AO Visão 7,1
AO O Jogo 6,4
NÃO Público 5,2
AO Diário de Notícias 4,9
NÃO Sábado 4
[Dados relativos à circulação retirados de Bareme Imprensa Marktest de meados de 2012.]

Ao conjunto dos media portugueses que adotaram já o Acordo Ortográfico, juntam-se a SIC, RTP, TVI e demais canais por cabo – a exceção é o Porto Canal –, além dos seguintes periódicos, numa lista necessariamente incompleta: Açoriano Oriental, Algarve Press, As Beiras, AutoSport, Barlavento, Blitz, Destak, Exame, Mundo Português, Caras, Lux, Nova Gente, Diário do Alentejo, Diário do Minho, Futebolista, Metro, Mística, Jornal de Letras, Ler, O Primeiro de Janeiro, OJE, por exemplo.

Além da grande maioria da imprensa portuguesa, do aparelho de Estado, das principais instituições públicas e das instituições do ensino básico e secundário, adotaram já, também, o Acordo Ortográfico as principais plataformas de informática e aplicações mais usadas, como as da Microsoft, e os portais mais consultados em Portugal, como o Sapo, a Wikipédia e Google.
* In jornal Público de 19 de janeiro de 2013. Respeitou-se norma ortográfica de 1945, seguida pelo diário português e pela autora. :: 20/01/2013
Sobre o Autor
** Professora de Português e consultora do Ciberdúvidas e do magazine televisivo Cuidado com a Língua!; coautora do livro homónimo e de Assim É Que É Falar!

Sobre a aplicação prática do Acordo Ortográfico de 1990

Faço 50 anos de idade, em breve, e frequento o ensino público desde os sete. Ao longo desses 43 anos paguei, sempre - ou pagaram os meus pais -, a minha instrução em língua portuguesa (porque o ensino gratuito perpetua-se como falácia incontestável no nosso país). Aprendi português no âmbito do Acordo Ortográfico de 1945, sem o considerar melhor ou pior que o de 1911.
Entendo que é estultícia defender uma Língua estática, quando a sabemos dinâmica por acção da sua evolução interna e das influências externas. Porém, também é estultícia forçar a sua dinâmica natural, codificando um novo corpo lexical com base no vocabulário popular. Neste caso do AO de 1990, vocabulário fortemente influenciado pela linguagem de rua brasileira - linguagem caracterizada pela simplicidade e vulgaridade do vocabulário, em que são raríssimos os termos eruditos, e pelos desvios da norma, nos domínios ortográfico, fonético, morfológico e sintáctico. E daí se extraiu o húmus deste novo vocabulário. Mas não vou entrar nas questões técnicas deméritas do AO, que para isso há gente qualificada a escrever todos os dias.
A minha abordagem é esta: tendo pago pelo produto de 1945, porque vêm agora obrigar-me a usar o produto de 1990? Como pretendem que reaprenda, rapidamente, aquilo que fui aprendendo ao longo de 43 anos? E ressarciam-me pelo que gastei durante estes anos? Obviamente que não. Portanto, continuarei a escrever como aprendi e, quanto aos textos que produzo enquanto funcionário público, submetê-los-ei a um conversor automático que lhes dará a forma a que a Lei obriga, e indicarei essa operação: “Texto revisto automaticamente para o AO 1990”. De resto, continuarei a guardar os escritos na ortografia original, a única correcta para alguém da minha geração. Que aprendam os mais novos, de acordo com as novas normas, aceito, mas não aceito essa imposição de conversão apressada e calendarizada.

Acordo ou desacordo?

«O médico receitou um medicamento ótico.»

Segundo o novo acordo ortográfico, o medicamento que o médico receitou é para uso nos olhos ou nos ouvidos?

Pois, a maioria dos leitores, afastados da sua língua, ignorarão que se fala de ouvidos e não de olhos. Porém, o novo acordo ortográfico, ao fazer desaparecer o “p” mudo da palavra óptica (relativo a olhos), lança a confusão. Infelizmente não é caso único. Há mais trapalhices destas geradas pelo famoso AO.

E se os ilustríssimos burros que elaboraram o acordo fossem trabalhar na estiva, não seriam mais bem sucedidos?