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«Ao contrário da igreja protestante, a igreja católica tem geralmente desprezado a educação popular. Este facto afectou Portugal enormemente. O medo da disseminação de doutrinas heterodoxas impediu o florescimento de uma rede de escolas primárias particulares no nosso país. Contra essa tradição obscurantista se insurgiu o marquês de Pombal, que, em 1772, cria as primeiras escolas públicas elementares. Em 1826 e 1844, respectivamente, regulamenta-se a liberdade de ensino e a educação primária é considerada obrigatória.»

«As primeiras medidas restritivas no que respeita ao ensino primário aparecem logo após o «golpe» de 1926. Foi então severamente criticada toda a política educacional do anterior regime, por não ter sabido inculcar nas massas os necessários sentimentos nacionalistas, em virtude do seu exagerado racionalismo, positivismo e defesa da neutralidade religiosa da escola.»

«Em Julho de 1931, o Governo determina que, a partir dessa data, só os centros com mais de 40/45 crianças em idade escolar deverão possuir uma escola; todas as outras teriam de ser fechadas. Por, segundo se afirma, o Tesouro não possuir os meios necessários para empreender obras e para garantir a manutenção de muitas escolas em estado de conservação precário, determinasse que aquelas que não possuam «edifícios convenientes» sejam pura e simplesmente fechadas. Também o novo regime considerou, em Julho de 1932, ser imoral manter nas escolas «os alunos preguiçosos», ordenando que, a partir dessa data, todos aqueles que tivessem reprovado mais de três vezes abandonassem a escola.»

«Embora, tradicionalmente, o princípio de escolaridade gratuita fosse considerado um corolário da sua obrigatoriedade, esse princípio foi abolido na Constituição de 1933, que adopta o novo conceito de «gratuitidade relativa». Depois de 1933 foi oficialmente considerado que o dever de educar as crianças fazia parte das atribuições da família, e não do Estado. Considerou-se, a partir dessa data, que o papel do Estado era somente o de promover e estimular a iniciativa privada.»

«…as classes dominantes portuguesas queriam, não só trabalhadores dóceis, mas também trabalhadores felizes. Assim, de acordo com a doutrina oficial, a escola, para além de transmitir o amor ao trabalho, à disciplina e a ordem, deveria também inculcar nas massas trabalhadoras uma certa «alegria de viver» eminentemente católica e certamente muito útil»

«O I Congresso da União Nacional (1934) apresenta as linhas fundamentais da política educacional futura do Estado Novo: redução dos programas de forma a permitir uma concentração nos conhecimentos supostamente «fundamentais»; ênfase nos chamados «conhecimentos aplicados», isto é, intensificação dos cursos de desenho e trabalhos manuais e agrícolas, para os rapazes, e de actividades domésticas, para as raparigas. De acordo com o jornal oficial Escola Portuguesa, a escola primária deveria, a partir de então, ser afirmativa, e não céptica, activa, e não verbalista, educadora da vontade e propulsionadora do esforço ao serviço do interesse pelo bem comum, colectivista, e não individualista, verdadeira, isto é, ligada às realidades26. Todos estes princípios se destinavam a inculcar nos alunos as ideias de pátria, família e amor pelo cantinho natal; representavam um ataque ao conhecimento «livresco», promotor de «desadaptação e os consequentes desânimo e descontentamento — fatais geradores da decadência»

«A função prática da escola é continuamente sublinhada. A escola deveria fornecer bons trabalhadores agrícolas, bons carpinteiros, bons alfaiates. Aparentemente, tudo o que as crianças necessitavam aprender como seres humanos era «como escrever uma carta... um telegrama... uma petição ao Governo... um recibo». A ênfase que os republicanos colocavam nas virtudes da cidadania e no pensamento racional foi substituída por uma preocupação com a preparação da mão-de-obra pouco especializada e com o desenvolvimento do que então se designou como «a religiosidade natural dos Portugueses».

«…de acordo com os mais proeminentes ideólogos do Estado Novo, os programas anteriores não incluíam ou não tratavam adequadamente dois assuntos indispensáveis: a religião e o imperialismo. Ambas as disciplinas seriam rapidamente reintroduzidas no currículo. Em Abril de 1936, todas as escolas primárias foram obrigadas a colocar um crucifixo «por detrás e por cima da cadeira do professor» 31. Este ornamento devoto simbolizava supostamente toda uma nova ideologia e uma nova educação; nas palavras do então ministro Carneiro Pacheco, o crucifixo constituía «a grande bandeira duma civilização que enobrece a pessoa humana, contra o comunismo, aviltador da pessoa»

«…parágrafo tirado dum manual da 2.a classe, por nos parecer mais revelador do que quaisquer comentários sobre a forma como a obediência era inculcada: «Na escola tinha a senhora professora explicado à Isabel que todos nós precisamos de obedecer àqueles que têm o direito de mandar. Isabel, ao chegar a casa, contou ao pai que a senhora lhe havia dito que não era possível a vida entre homens sem autoridade.» Sendo um pai carinhoso, resolveu este explicar o assunto à filha com mais profundidade. Disse-lhe solenemente que ele próprio, «que era operário, obedecia ao capataz; o capataz obedecia

ao engenheiro; o engenheiro obedecia ao dono da fábrica e o dono da fábrica à lei feita pelo Governo da Nação». Nesta altura, a filha, curiosa e fascinada, perguntou ao pai a quem obedeciam os chefes. A resposta, que não se fez esperar, era de molde a acalmar as inquietações filiais: «Obedecem à sua consciência de homens dignos formada no amor sincero de Deus, da Pátria e da Família.» O texto terminava com a informação reconfortante de que «a Isabel nunca mais esqueceu estas palavras» 38 — um aviso e um desejo!»

in "Notas para a análise do ensino primário durante os primeiros anos do salazarismo" - de Maria Filomena Mónica

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