Entrevista ao Notícias de Lagos (excerto)

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NL- Comecemos pela tua actividade de fotógrafo, como é que começaste e que lugar é que a Fotografia ocupa na tua vida?
F.Castelo- Comecei a fotografar em 1977, numa abordagem exclusivamente amadora, em 1979 entrei para o Centro de Estudos Subterrâneos que tinha a sua sede num laboratório de fotografia do “Estúdio CS”. O ambiente de laboratório/estúdio, e os ensinamentos do Mário Santos, proporcionaram-me as bases da Fotografia. Mais tarde trabalhei no Laboratório Industrial Montecolor, na distribuição das fotos pelo Algarve, e esse contacto com o meio, com os profissionais e com alguns mestres da Fotografia permitiu-me evoluir mais um pouco. Actualmente, como técnico profissional de audiovisuais da Câmara Municipal, a Foto reportagem ocupa 90% dessa actividade, embora a minha paixão seja o retrato. Afinal, a alma da Fotografia. Mas é a vertente do hobby que mais tem contribuído para a minha evolução como fotógrafo. Desde os fóruns de discussão temática à exibição das minhas fotos e visualização dos trabalhos de outros fotógrafos na Internet, tudo isso me ocupa 2 a 3 horas por dia. É uma escola de aprendizagem contínua.

NL- Ser Fotógrafo implica saber olhar de forma diferente. Como vês a cidade e as suas mudanças nestes últimos anos? E as próprias pessoas?
F. Castelo- A cidade é bela, eleva-se sobranceira ao rio, com uma magnífica baía, inúmeros edifícios históricos e atractivos naturais suficientes para nos apaixonarmos pela paisagem e, paulatinamente, vai reunindo alguns aspectos de um pulsar urbano que só se encontra em cidades de maior dimensão. É evidente que não gosto das construções altas e que elas se assumem como “poluição visual” no contexto paisagístico que acabei de salientar. Sei que são os custos da urbanidade e da modernidade, mas será que não se poderia fazer um descontosito?! Que fosse um custo mais baixo?! Aflige-me pensar que a breve prazo não poderei fotografar nenhuma panorâmica das muralhas porque as construções, privadas e públicas, vão ocultando o amuralhado. E o perfil da cidade visto de longe, do mar ou dos Palmares por exemplo já é assustador. É pena.
No que respeita ao relacionamento com as pessoas, no âmbito da minha actividade, é notório que a difusão do uso da Internet e as inovações tecnológicas trouxeram uma grande desconfiança em relação ao acto fotográfico. De facto, deparo com uma dificuldade crescente em fotografar pessoas. Para não falar do problema de fotografar jovens e da apreensão que logo se levanta com relação à pedofilia. Mesmo agora relembro um episódio (risos) ocorrido em 2003 à porta do Cinema com uns fotógrafos do movimento “fotoalternativa” que trouxe a Lagos integrados na exposição “ponto.com”. Era noite, e o Aniceto Barbosa preparava-se para fotografar uns adolescentes (a quem ele tinha pedido para posarem, e que aceitaram), mas a um segundo do click um dos moços exclama em voz de pregão: ISTO É PÓS PEDÓFILOS?! Eu tenho esse momento registado porque estava próximo, junto à parede do Mullens. E o irreverente Aniceto suspendeu a fotografia e, decepcionado, murmurou-me: isto tá lixaaaado! (risos)
NL- E a actividade que desempenhas na Câmara Municipal, realiza-te enquanto “homem da imagem”?
F.Castelo- Sim. Porque gosto do que faço e porque integro uma equipa de gente criativa, de várias áreas, e também porque somos dirigidos com garra. E, se por um lado, a informação municipal não oferece tantos desafios e estímulos como a imprensa, por outro lado tem-me possibilitado realizar trabalhos mais elaborados e minuciosos. Em comum com a imprensa temos a celeridade da produção e os dead lines apertados, que muitas vezes nos põem em alta rotação. Para além da actividade na Câmara Municipal de Lagos, em que a Foto-reportagem é o trabalho mais requisitado, tenho outros projectos dos quais destaco: “Gente de Cá” e “Fios de Luz”. O primeiro pretende registar o maior número de lacobrigenses, no intuito de construir um arquivo de época, um registo de um tempo, o meu tempo. Entusiasma-me a ideia de “imortalizar” as pessoas. Registar o seu rosto para a eternidade. Penso que será um espólio valioso para a futura Fototeca Municipal. E por outro lado é uma espécie de demanda quixotesca, um exorcizar da inquietude e do inconformismo deixado pela destruição legal que teve lugar em 1992 ou 1993 (ordem de despejo e incineração) de um dos mais importantes arquivos fotográficos de Lagos. Perderam-se milhares de clichés de passes de pessoas de Lagos, Vila do Bispo e Aljezur.
O segundo projecto é mais de busca estética, uma experimentação que nalguns casos entrará no domínio da Fotografia conceptual, um exercício em que pretendo que cada foto seja cerca de 90% de preto e 10% de branco, respeitando o leitmotiv que elegi para este projecto: “a luz é como o azeite, basta um fio para temperar”. Estes projectos desenvolvem-se, em parte, no LAC- Laboratório de Actividades Criativas (antiga Cadeia), onde tenho uma cela (risos), digo: um estúdio. Já agora, aproveito para oferecer a possibilidade de fotografar quem quiser ser retratado, mas advirto que não são fotos tipo passe, pois não respeitando as normas de enquadramento e cor do fundo, não poderão ser usadas para BI’s ou passaportes. Para isso existem casas da especialidade. As fotos deste projecto, sendo propriedade minha, têm contudo utilização condicionada pela autorização do retratado e serão guardadas no meu arquivo pessoal e no arquivo da Câmara Municipal - como forma de garantir que o registo digital não se perderá e que irá integrar o espólio da tão esperada Fototeca, ou Imagoteca Municipal.

NL- Com o desenvolvimento das novas tecnologias, as máquinas digitais, os telemóveis que fotografam, qual vai ser o futuro da Fotografia na tua perspectiva?
F. Castelo- Encaro esse progresso como um mecanismo libertador da Fotografia e espero que a transforme em algo tão natural e aceitável por todos, que as pessoas deixem de se “encolher” quando estão sob a mira da objectiva. Nessa altura será mais fácil fazer Fotografia, boas fotografias. E não temo que essa universalização da Fotografia a desvirtue ou retire o trabalho aos fotógrafos. Repara que não é pelo facto de todos sabermos escrever que os escritores ficaram sem actividade. Porque escrever BEM, com a tinta na caneta ou com a luz na máquina fotográfica, continuará a exigir o concurso da imaginação, da sensibilidade, da intencionalidade criativa, em suma continuará a ser necessário exercitar o intelecto. Certamente iremos assistir ao pulular da pimbalhice fotográfica, já iniciada há alguns anos (lomografia, pseudo-conceptualismos e abstracionismos etc.), mas isso também é natural e tem o seu lugar na Fotografia.
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publicado aqui em Ago de 2006

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