Mário Cláudio dixit

Ana Marques Gastão entrevistando Mário Claúdio sobre o seu novo romance “Camilo Broca”, consegue revelar a dimensão gigantesca da simplicidade do autor. E é na honestidade intelectual de Mário Claúdio, parcialmente exposta nessa entrevista publicada na Revista 6ª do D.N. 50123 de 23.06.2006, que ressalta a grandeza do autor e a importância dessa honestidade. Retenho, como lições de experiência do autor e, para mim, mais do que motivos de reflexão, factores de identificação, os excertos que transcrevo.
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MC - ... Nenhum escritor que se preze ousará reflectir sobre o quer que seja sem simultaneamente se debruçar sobre si mesmo. Quando se trata de escrita, e não de um mero alinhamento de palavras, é a carne que se empenha no trabalho, e não a redacção mais ou menos bonitinha.
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ANM – Até que ponto realidade e ficção se cruzam, de que modo biografia e obra se conjugam? De que forma inversa, como num espelho invertido, deformado?
MC – A biografia, já alguém o disse, não é mais do que um romance com notas de rodapé. No meu caso falar disso, ou de ficção, equivale a afixar etiquetas aproveitáveis aos teóricos, mas irrelevantes para os praticantes de um texto criativo.
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ANM – Triunfo do Amor Português não esquece os amores de Ana e Camilo. A culpa, sublinhada por Agustina, também admiradora do escrito [Camilo Castelo Branco], surge como motor da narrativa, da imaginação. Um pouco de Freud aliado ao virtuosismo da forma?
MC- A vulgata freudiana é inseparável do nosso dia-a-dia. eu sou um homem comum.
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ANM – Escaparam-lhe as personagens ou conseguiu domá-las?
MC – Escaparam-me constantemente. O ficcionista que não vá afinal a reboque das suas personagens bem melhor fará se procurar outro ofício.
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ANM – quando escreve vai ao fundo de si ou esconde-se por detrás da elaboração romanesca, das personagens que, nalguns casos, tem reinventado?
MC – Creio que ir ao fundo de nós mesmos equivale a escondermo-nos da imagem para consumo externo. Sou um homem muito social, mas procuro a verdade por detrás de cada diálogo travado com os irmãos.
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ANM - Que é, a seu ver, o romancista? Um caçador cruel?
MC – Acho que é às vezes um patife, de longe a longe um anjo, na maior parte dos casos um homem à conta com as suas misérias.
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ANM – As mulheres, como Carolina Rita, surgem contra o lugar-comum no seu romance: com uma força inabalável e nem sempre mulheres-anjo?
MC – A inocência de que falo só poderá alcançar-se por meio de uma certa diabolização. As contadoras de histórias sabem disso. Inventam um discurso para se apropriarem dos seus lances. Não há forma mais perfeita de liberdade.
ANM – tem dito que nada lhe pertence quando escreve. O “incriado” não passa também pela reconstrução da sua história interior, mais íntima?
MC – O efeito construtivo da escrita é muitas vezes enganoso. Tece-se e destece-se a mesma manta, e é nessa tarefa que os dias se edificam. Se um texto recria a nossa história, a verdade é que também a destrói a todo o momento.
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3 comentários:

todos disse...

Devias era ler o maior de todos: o grande Paulo Coelho. Cultiva-te.

éf disse...

Paulo Coelho é o que os anoréticos usam para provocar o vómito, não é?

Fátima Santos disse...

"quando se trata de escrita, e não de um mero alinhamento de palavras, é a carne que se empenha no trabalho, e não a redacção mais ou menos bonitinha."
...redações, é o que demais por aí se publica... até mesmo quando são boas e apreciadas, a gente sente a falta dessa carne(ia dizer desse encorpado rsss)