A Democracia Rançosa 2

PJ – Alvo a abater
«Digo-vos com a simplicidade do que não deve ser dito: sinto-me tão independente como sempre, serei tão independente como sempre.»
Dr. Alípio Ribeiro, no seu discurso de tomada de posse como Director Nacional da Polícia Judiciária – 10 de Abril de 2006
Face ao recente volte face do caso Maddie, como devemos entender, agora, as palavras do Dr. Alípio Ribeiro? Independente como sempre, ou acto intencional do mandatado liquidatário do que resta da melhor polícia de investigação criminal que o país teve até hoje?
Vejamos o que gritam os políticos dos dois grandes partidos. Uso o discurso de um político do meu partido por estar mais à mão (e porque do outro tratarão, à frente, vozes mais abalizadas).
«Rui Rio afirmou entre outras coisas que o poder político é fraco e que o problema do País é político e não económico. E sustentou esta sua afirmação com o facto de cada vez estarem criadas menos condições para que as pessoas se sintam atraídas pela política. Acrescentou que se tem que acabar com atitudes demagógicas em relação aos salários dos políticos, e que estes têm que ser bem pagos, sob o risco de não se atrair para a política os quadros mais qualificados. Logo, menos gente, mais mediocridade, menos capacidade política para resolver os problemas económicos do País (…) Mas Rui Rio foi contundente quando afirmou que o maior problema do País é a JUSTIÇA e que esta está a invadir o Poder Político. Por tudo e por nada se aplicam providências cautelares, o que resulta numa degradação do Poder Judicial. É preciso travar a politização da Justiça e é mesmo necessário que os Juízes sejam avaliados, porque, na sua opinião, não podem estar acima dos comuns mortais.
Quanto à Comunicação Social, acha Rui Rio que ela é cada vez menos social e que devia estar condicionada.»
Nídio Duarte in O CONGRESSO DO ALGARVE E RUI RIO - CanalLagos 20-11-2007


E quando eles conseguirem controlar a polícia e os tribunais, deixam de existir políticos arrolados em processos de corrupção, pedofilia, peculato, e outros mais e, se, mesmo assim, algum episódio escapar às “anti-malhas” da justiça, o controle da comunicação social impedirá que o eleitorado tome conhecimento de tal facto. Serão necessárias mais evidências de que está em marcha um processo de desdemocratização do país?
Vejamos o que está a ser feito, no intuito de tornar todas as polícias directamente dependentes do Governo. Atentemos no que dizem os profissionais da Polícia Judiciária.
«Inspector diz que PSP e GNR querem extirpar PJ
A situação que vivemos actualmente é a mais recente tentativa de enfraquecimento e de, pelos vistos, desmantelamento da PJ." Esta é apenas uma frase de um documento elaborado pelo inspector Mário Coimbra, elemento da direcção da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal (ASFIC). No texto, o inspector declara ainda que o poder político não gosta das investidas dos "impertinentes" investigadores da PJ contra uma "impunidade confortável, opaca e imune".
Num documento intitulado "A crise da PJ vista do seu interior", disponibilizado em www.asficpj.org, Mário Coimbra descreve desta forma o actual contexto: "O Governo e certos governantes e políticos em especial já não se livram facilmente da suspeita de que ficaram incomodados com a investigação a certos crimes e que estão a reagir, pela via legislativa." O tom duro das críticas estende-se a "outros responsáveis colaterais que têm vindo a actuar face à PJ com o mesmo respeito que os abutres têm pelos despojos deixados pelos predadores". Daí que Mário Coimbra denuncie que está em curso a "mais recente tentativa de enfraquecimento e de desmantelamento da PJ". Enumerando, em seguida, os responsáveis: os "falcões" portugueses adeptos da "americanização" da segurança interna, "militares activos, reformados e desempregados que aspiram por uma guerra, os "políticos que fizeram carreira na Defesa, na Administração Interna e no SIS" e as "hegemónicas e imperiais chefias superiores da PSP e da GNR e respectivas inteligentsias, para quem a PJ é e sempre foi uma espécie de abcesso irritante no sistema policial, que tem de ser extirpado, custe o que custar, por absorção e/ou pulverização".
Mário Coimbra rejeita qualquer modelo de índole securitária que faça com que a polícia portuguesa caminhe para a "realização de operações à americana", defendendo a "cultura democrática" e a forte consciência ética e deontológica dos limites constitucionais e legais da investigação criminal e do combate ao crime".
Num registo irónico, afirma ser "impensável que alguém do Governo viesse dar uma ordem à PJ para investigar seja o que for, fora de um inquérito ou de uma averiguação sindicada" pelo Ministério Público. Ou que "alguém no interior da PJ tivesse a veleidade de começar a combater o terrorismo com as mesmas armas do terrorismo".
A finalizar, escreve o inspector, "seria absolutamente impraticável, que alguém do Governo mandasse a PJ vigiar um juiz, para lhe encontrar fragilidades, na vida privada, susceptíveis de serem utilizadas para condicionar a sua livre apreciação e decisão, num processo de corrupção com políticos poderosos". Tudo se passa, segundo o autor, perante um Ministério Público "distraído e apático". Ao DN, Carlos Anjos, presidente da ASFIC, disse que o documento de Mário Coimbra, que integra o Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia (CESP), reflecte o actual estado de espírito interno na PJ.»
Carlos Rodrigues Lima in D.N. 07.04.06
E o Presidente da ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS FUNCIONARIOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL da POLÍCIA JUDICIÁRIA segue no mesmo tom.

«(…) Este governo absolutista, com o famoso PRACE – Plano de Reestruturação da Administração Central do Estado – que todos conhecem pretende uniformizar toda a administração pública, independentemente das diferenças entre as diferentes profissões dos funcionários do Estado. Todos os funcionários públicos, nos últimos dois anos, foram confrontados com dificuldades acrescidas, impostas pelo actual governo, a coberto do urgente “Controlo da Despesa Pública”. Um controlo que parece estar a ser feito unicamente à custa dos funcionários públicos, estigmatizados como «parasitas do sistema».
Os estigmas lançados sobre os funcionários públicos foram de tal maneira intensos e recorrentes que até parece que foram estes que criaram o sistema em vigor; que durante anos ocuparam as cadeiras do poder executivo e legislativo; que atribuíram a si próprios e aos seus amigos, vencimentos exagerados e outras mordomias, bem como reformas, em muitos casos, iguais ou mesmo superiores às dos países mais ricos do mundo.
(…)
…ameaça maior que tem estado sempre latente e pendente sobre a PJ, qual Espada de Democles!: a apetência do Ministério da Administração Interna pela tutela da PJ; articulada com o ataque da PSP, não apenas a algumas das nossas competências, mas evidenciando um projecto de absorção da PJ, no seu todo – seja sob a forma de integração da PJ e do SEF, na estrutura da PSP; seja pela unificação das três forças numa só, a designada Polícia Nacional, uma pseudo nova entidade, que na prática seria formatada com a cultura organizacional da PSP. Não posso deixar de considerar que do lado de lá estão profissionais, diria mesmo, grandes profissionais, que nos conhecem muito bem (como nós os conhecemos), que nos têm vindo a estudar exaustivamente, tanto as virtudes como, principalmente, os nossos defeitos. Este ataque vem sendo preparado há anos (e ainda não parou) e quando no 1.º Congresso de Investigação Criminal, no Porto (Março de 2006) afirmei estar atento e que consideraríamos todos as OPA’s lançadas sobre a PJ, como hostis, não estava a filosofar, estava a falar bem a sério. Há muitos anos que os estrategas da PSP apostam no desaparecimento da PJ. Existem pelo menos dois livros no mercado editados pela Almedina, da autoria de dois oficiais superiores dessa instituição onde esse desiderato é claramente assumido, dizendo-se aí sem qualquer prurido, que a PJ não tem razão de existir e que somente por incapacidade politica e por medo de afrontar interesses corporativos (penso que sejam os nossos interesses!), é que esta situação não é resolvida, com a nossa integração nessa polícia global, possuidora de todas as valências: a PSP.
Primeiro, tentou retirar-nos a competência ao nível da cooperação internacional, através do já referido PRACE. Felizmente não o conseguiu. Da análise da factualidade tal como a conhecemos hoje, tudo nos leva a concluir que, como tal desiderato não foi conseguido pela via anteriormente referida, foi idealizada uma outra, mais refinada, susceptível de poder vir a produzir de outra forma, os resultados pretendidos. Assim, começou por se envolver a Universidade. Foi assim criado um protocolo com o Instituto Para as Relações Internacionais (IPRI), da Universidade Nova de Lisboa, e encomendado um trabalho, que tinha como título “Estudo para a Reforma do Modelo de Organização do Sistema de Segurança Interna”. A coordenação da equipa responsável por este estudo era, inicialmente, da responsabilidade do actual Ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira. Com a sua saída para o MD, o seu lugar foi ocupado por um outro catedrático, o Dr. Nelson Lourenço, pessoa que durante muitos anos trabalhou para a Polícia Judiciária, na área da estatística e demonstração de resultados. O caricato neste grupo de trabalho começou por ser logo a escolha dos assessores. Uma escolha que deveria ter sido reveladora da mais profunda honestidade, transparência e igualdade entre as forças de segurança a estudar, mas que se tornou escandalosamente no seu contrário. È que foram escolhidos somente um oficial superior da GNR e cinco oficiais superiores da PSP! Coincidência ou talvez não, dois destes são, precisamente, os mesmos que em trabalhos já publicados visam o fim da
PJ e a sua integração na PSP ou numa nova PN. As respectivas observações e argumentações são até repescadas, para esse estudo, sem grande alteração ou refinamento.
Curiosamente ou talvez também não, os países cujos modelos de polícias foram estudados por este grupo universitário do IPRI (Espanha, França, Bélgica e Áustria) são, precisamente, os mesmos que haviam sido estudos por um daqueles elementos da PSP, no seu trabalho de tese de doutoramento e publicado pela livraria já referida. Curiosamente ou talvez também não as conclusões do estudo recentemente publicadas são exactamente as mesmas a que chega aquele oficial da PSP. Quis o destino e o sentido de oportunidade da ASFIC/PJ, que quando a primeira parte desse relatório foi apresentada publicamente com pompa e circunstância, estivesse apta a lançar o livro com as principais intervenções do 1.º Congresso de Investigação Criminal, sobre esta matéria. Com uma vantagem para nós: não fizemos estudos em causa própria nem encomendamos favores, limitamo-nos a solicitar, indirectamente, a colaboração dos mais reputados especialistas sobre a matéria, de cada país, sem os conhecer.
(…)
Foi desta forma simples e honesta que foi possível travar, nessa fase, o curso do destino e a impetuosidade do MAI e dos seus «colaboradores». Mas, a verdade, é que estes «inimigos» da PJ não desistiram. Em Dezembro de 2006, apresentaram o Relatório Final, onde, claramente, no que concerne à organização do sistema policial, apontam como «o melhor cenário», o famoso «CENÁRIO X», que visa a manutenção da GNR e a integração de todas as outras forças policiais numa nova Polícia Nacional, onde coabitariam as actuais PSP, PJ e SEF. Tanto trabalho para chegar a uma conclusão tão previsível e a que tinham chegado já os tais assessores independentes, há meia dúzia de anos. Mas não se pense que este relatório não era importante ou que o governo não lhe atribuiu nenhum valor. Toda a reforma da Lei de Segurança Interna e a apresentação do novo Sistema Integrado de Segurança Interna (SISI), teve como única fonte inspiradora, exactamente este documento. (…) Muito mais importante do que os potenciais ganhos de carreiras ou outros, travámos, no último ano, uma luta terrível pela sobrevivência de um modelo de PJ, que deu e continua a dar provas de vitalidade e de eficácia, com profissionais que sempre desempenharam cabalmente a sua missão, tendo como objectivo único, o garantir uma melhor segurança e justiça a todos os seus concidadãos. (…) Assim, findas essas negociações, conseguiu-se que o governo não encerre nenhum dos DIC’s da PJ, (…) que ficaria confinada, apenas, aos grandes centros urbanos, perdendo não só informação, como uma visão global do país. Foram mantidas todas as competências da PJ. Opusemo-nos, tenazmente, àqueles que nos queriam empurrar para áreas muito restritas da criminalidade, circunscrevendo-nos a tipos de crime muito concretos, o que, no futuro, a nosso ver, poderia ser o fim da Instituição, a curto prazo. Nesta área, a PJ foi visada, não apenas pelos outros órgãos de Polícia Criminal, que queriam mais competências na área da criminalidade violenta e tráfico de droga, conforme atrás referi, mas também pelo Ministério Público, que queria e quer mais visibilidade na área do combate à denominada criminalidade de colarinho branco, querendo-nos manter, apenas, como uma espécie de funcionários especializados para todo o serviço, particularmente, para podermos ser responsabilizados pelos inêxitos das investigações, já que, relativamente aos êxitos, esses claramente teriam dono certo. Conseguiu-se ainda manter na orgânica da PJ, toda a área da Cooperação Internacional, bem como a Unidade de Informação Financeira, muito pretendida, principalmente, pelo Banco de Portugal, bem como o Sistema Integrado de Informação Criminal, como sistema central da informação policial, o qual continuará a ser gerido pela PJ.»
Excerto do discurso “BALANÇO DE GESTÃO DA DIRECÇÃO NACIONAL CESSANTE”, proferido por Carlos Anjos, Presidente da ASFIC/PJ no V CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS FUNCIONARIOS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL da POLÍCIA JUDICIÁRIA (ASFIC/PJ) - Lisboa, 26 de Março de 2007

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