Resposta ao Mestre TheOldMan
Quando era miúdo o meu pai ofereceu-me um jogo daqueles que tentavam imitar essa invenção superior proveniente de terra viking, o LEGO, este talvez de origem espanhola – que nesses tempos ainda as lojas chineses não salpilhavam* a paisagem urbana e a nossa imaginação –, era uma caixa cheia de peças plásticas com buracos: chassis, tirantes, rodas dentadas, tubos, parafusos e porcas, e as respectivas chaves de bocas para fixar os componentes dos vários engenhos que o conjunto permitia construir. Uma maravilha para os dedos e para o cérebro de um puto de sete anos, digo-vos. Até hoje, foi, de todas as coisas que me ofereceram, a mais parecida com as palavras – embora muito aquém das possibilidades construtivas destas. Desfeita a caixa, esmagada pelo peso dos anos, gastas e dispersas as peças e as ferramentas que as juntavam, desaparecido o jogo nos confins da memória, não desapareceu, porém, esse prazer, essa vontade de juntar peças, inventar puzzles, montar edifícios, máquinas eficazes ou complexidades inoperantes, agora com as palavras. Mais além do que as construções estáticas que evocavam, e por vezes uma elementar acção dinâmica – lembro-me que podia construir uma grua porque existiam também roldanas, um fio e um gancho –, é com as palavras que consigo construir coisas mais robustas ou delicadas, fixas ou móveis, capazes de dar a volta ao Universo, coisas que permitem edificar cidades, criar mundos, viajar para todo o lado dentro e fora de mim. Continuo, pois, a brincar com aquele jogo, acrescentado de muitas e variadas formas, construindo, reconstruindo, empoleirando partes, equilibrando peças. É o que me permitem as palavras. E cada vez mais, à medida que vou aperfeiçoando as ferramentas, essas chaves de bocas que as colocam, acertam e apertam nos devidos lugares. Brincadeiras de miúdo, simplesmente. Quanto à loucura, vai saudável. Obrigado, mestre!
;)
Arre… inventei um vocábulo, ou uma palavra ó u camandro!!!
*SALPILHAVAM: dispersão de lojas chinesas pela paisagem do império imaginário conhecido por Portugal, com o intuito de extorsão subtil e persistente das moedas que sobram do exercício da nacional chulice dos bancos e do estado sobre os cidadãos do referido império imaginário.
3 comentários:
Não costumo gostar de gajos porreiros :) mas curti ler-te!
Até os sonhos se constroem, porque não a escrita? :)
o lápis: mas só sou um gajo porreiro, às vezes.
;)
"Salpilhavam" é fixe; Francisco de Blog.
Quase que consigo ver uma horda de chineses (das lojas, claro) com chapéus anamitas, a "salpilhar" o nosso império...
Atendendo a que já estamos habituados a ser "salpilhados", isso até parece um quadro divertido.
Abraço.
;-)
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