Gripes e vacinas



Anda por esta Internet adentro muita informação contraditória sobre alguns aspectos respeitantes quer ao surgimento quer ao combate da gripe A.
Já sabemos que a net é um excelente veículo para difundir boatos e informação deturpada. É o preço da liberdade de informação, que devemos aceitar, embora tal constatação deva conduzir à adopção de atitudes cautelosas e sempre críticas em relação a tudo o que se lê e vê por aqui.
Para além da eventualidade da doença permitir que alguns agentes menos escrupulosos alcancem dividendos acima do que seria eticamente aceitável, não me parece que a atitude das autoridades seja merecedora de críticas tão incisivas como as que temos testemunhado. É que esta doença já é nossa conhecida, e na sua primeira visita levou cerca de 120 mil portugueses. Foi em 1918, e a acção do vírus H1N1 era então conhecida como Gripe Espanhola* ou, simplesmente, pneumónica.
Isto, não ouvi nos meios de comunicação; ou porque foi dito e me passou ao lado, ou porque foi omitido para evitar pânicos escusados.
O plano de vacinação está aí e não me parece que apresente fragilidades ou inconsistências que devam levar-nos a adoptar uma atitude de desconfiança. Temos uma história de vacinação que vem desde o início do século XIX e um Programa Nacional de Vacinação que funciona adequadamente desde 1965.
Convém não esquecer que foi devido à vacinação que se conseguiu, em 1980, erradicar a Varíola, a nível mundial.
Voltando ao nosso país, em 1965 teve inicio a vacinação em massa contra a poliomielite, que registava nesse ano 292 casos. No ano seguinte registaram-se apenas 13 casos. Seguiu-se o combate à difteria e à tosse convulsa, também com resultados muito positivos.
Isto representa a vitória do processo de vacinação, e daquilo que talvez seja uma das maiores conquistas da ciência médica. Repudiar a prática da vacinação é esquecer as conquistas alcançadas contra inúmeras doenças, algumas bastante horríveis que flagelaram a humanidade ao longo da História: difteria, gripe B, gripe C, hepatite b, papeira, poliomielite, rubéola, sarampo, tétano, tosse convulsa, tuberculose.
Finalmente, convém realçar um outro aspecto da vacinação, muitas vezes esquecido. As vacinas também protegem os indivíduos não vacinados já que a probabilidade de disseminação de uma doença infecciosa diminui com a vacinação alargada das populações. Esta imunidade colectiva ajuda, assim, a proteger os indivíduos mais vulneráveis.
Para além das razões médicas, e de saúde pública, aceito a vacina contra a gripe A também por uma questão de princípio. O princípio racional que ensina a confrontar eventuais benefícios com hipotéticos prejuízos, nessa equação indissociável da nossa existência, que resulta do sempiterno risco que opõe a raça humana a uma Natureza, naturalmente, adversa.

*Descrente do ditado que apregoa: “de Espanha, nem bom vento nem bom casamento”, sublinho que a denominação “Gripe Espanhola” se refere à doença observada, pela primeira vez, nos Estados Unidos da América. Isto ocorreu em Março de 1918, e os primeiros casos conhecidos na Europa ocorreram em Abril do mesmo ano, pelo que não é despiciendo conjecturar que a doença foi introduzida na Europa pelas tropas americanas. A adopção da denominação “gripe Espanhola” talvez se deva ao facto da imprensa desse país que não participou na guerra, ter noticiado profusamente que em muitos locais adoeciam e morriam civis em quantidades alarmantes. Em Maio, a doença atingiu a Grécia, Espanha e Portugal. Em Junho, a Dinamarca e a Noruega. Em Agosto, os Países Baixos e a Suécia. Todos os exércitos estacionados na Europa foram severamente afectados pela doença, calculando-se que cerca de 80% das mortes da armada dos EUA se deveram à gripe.

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