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Quem me lê aqui poderá ficar com a ideia de que detesto este país e as suas gentes, que abomino os meus compatriotas e a mim próprio, julgando-nos um projecto falhado – mas não me preocupo com essa imagem que eventualmente transmitirei, porque os leitores são poucos. Ora, raramente exponho o que verdadeiramente penso sobre o que me cerca (quando penso algo), por isso caio reiteradamente nos antípodas desse “irrealismo prodigioso da imagem que os portugueses fazem de si próprios”(1).

E não guardo o que verdadeiramente penso no intuito de salvaguardar as minhas opiniões, mas apenas porque não é coisa que me preocupe. Já antes escrevi que não sinto um apelo premente, uma necessidade substancial em comunicar com os outros. No caso da escrita, que acontece por uma apetência pelo formal, é uma questão artística (2) que reúne estética, egoísmo, provocação, e pouco mais.

Pensar que olho este país como um imenso nabal, um desígnio delirante, uma realização frustrada e irrecuperável – sendo certo que teria de considerar assim por comparação com outros, mormente os do “caldeirão de cultura centro-europeu”, que amiúde evoco –, é erro. Tenho, para mim, que uma análise séria ao assunto facilmente concluiria que não somos piores do que os outros, do que esses centro-europeus e “as suas brumas, as suas memórias, o seu fundo e infinito mal-estar”(3), os seres fleumáticos, organizados e calculistas do grande Norte.

Claro que este país e esta gente têm valor. A tragédia dos portugueses não é, pois, não possuírem valor, mas sim desperdiçarem os valores que têm. É a indiferença, o laxismo, o proverbial “brando-costume” que nos desafecta dos valores, e essas maleitas são, mais que tudo, responsabilidade nossa, mesmo que radicando na educação e na herança cultural de feição judaico-cristã - e aqui, a Igreja Católica também partilha responsabilidades. Mas já chega de culpabilizar ou partilhar culpas com instituições intemporais e estruturas mentais.

Sem admitir a necessidade de compromisso e de trabalho cívico colectivo, sem aceitar que temos de despender atenções, esforços e energias na construção do sistema democrático, sem isso, não mudamos nada. Continuaremos a desperdiçar o que temos e o que somos. Continuaremos a adiar-nos como projecto colectivo.



(1)-Eduardo Lourenço em “Labirinto da Saudade”.
(2)-Prefiro a ideia de um “artesanato mental”, em vez de Arte, isto para estar em sintonia com a maioria dos “artistas” que pululam por aí, e que, em rigor, não passam de artesãos.
(3)- Miguel Sousa Tavares sobre os alemães em “Não te deixarei morrer, David Crockett”

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