Obrigado, José Carlos Vasques



José Carlos Vasques (1920 - 2013)

Faleceu um grande amigo de Lagos. E neste tempo em que tantos de nós se esquecem de viver, apenas sobrevivendo numa vertigem pálida daquilo que é a VIDA, o José Carlos Vasques é um exemplo do cidadão que viveu a sua terra e que o demonstrou profusamente, partilhando esse apego a Lagos com quantos com ele conviveram. 
A única coisa que posso acrescentar àquilo que escrevi em 2010, e que republico abaixo, é um grande OBRIGADO.
A melhor homenagem que se pode prestar a José Carlos Vasques é ler os seus artigos e reflectir sobre as suas palavras. Aqui estão alguns dos mais importantes que produziu: https://sites.google.com/site/cemallagos/jose-carlos-vasques





O meu amigo José Carlos Vasques completou 90 anos no dia 2 de Maio. Mantém a vivacidade e a lucidez de quem ama a vida, e o empenho e paixão de quem a vive com profunda entrega às causas em que acredita, sendo a maior, a sua terra.

É sempre um enorme prazer falar com ele, ouvir as suas histórias, os factos descritos nos livros dos velhos historiadores que ele tanto admira, ou os resultados do empirismo exercido em décadas passadas, pela gente da sua geração ou das gerações anteriores.

José Carlos Vasques faz parte de um reduzido número de indivíduos que praticam a ancestral tradição da transmissão oral do conhecimento. Assim, se assume como portador das mensagens dos anteriores aos vindouros.

E é tão interessante ouvi-lo sobre um antigo imposto de entrada na cidade (pedágio), como esgrimindo sobre o carácter injusto dos impostos hodiernos como o IRS, que acusa de errado na sua fórmula escalonada, em vez de progressiva. E apresenta mesmo, uma fórmula de sua autoria que resolveria essa injustiça do IRS: salário líquido a multiplicar por 45% e a dividir por 150 mil. Eu, que pouco percebo destas coisas, fico sensível à ideia de um imposto progressivo que onera os salários avultados, especialmente os abjectamente elevados, sem espoliar os salários baixos. Pergunto-me, é, sobre a eficácia de um imposto assim, para os cofres do estado.

E ele continua, respondendo a uma reorientação do percurso da conversa: o “filante” é uma doença do fermento que se transmite ao pão e este torna-se filamentoso e pegajoso – situação que apenas o vinagre suspende -, por esta razão os navios dos descobrimentos embarcavam o biscoito ázimo e não o pão corrente. Lagos teve várias azenhas para fabrico do biscoito, muito antes do surgimento dos moinhos de vento…
- E você sabe que num lagar de azeite onde se mói a azeitona com caroço o produto que sai é de menor qualidade? O caroço contém um ácido que estraga a qualidade do azeite. O melhor azeite é feito da azeitona previamente descaroçada.

Aos 90 anos acusa a fragilidade da sua acuidade visual, coisa que lhe tolhe a leitura e a escrita, mas ainda está ali para as curvas, as da cidade e as das suas histórias. Sobre ele, deixo o breve apontamento biográfico, e o prefácio, que escrevi para o seu livro “Apontamentos para a História de Lagos”, publicado em 2008, pelo Grupo Amigos de Lagos.
F.Castelo - 2010

«José Carlos Vasques nasceu em 1920, na Freguesia de Santa Maria, numa zona da cidade que hoje integra o centro histórico de Lagos. Filho de pai militar, frequentou a instrução nos Pupilos do Exército. De regresso ao Algarve, desempenhou a sua profissão de Guarda-livros em Portimão, no Grémio da Lavoura, depois na sua terra natal, na Adega Cooperativa de Lagos.

Mercê do profundo interesse que sempre dedicou às coisas e à história de Lagos, tem sido alvo constante de solicitações de estudantes e investigadores que dele procuram uma indicação de pesquisa ou aquela informação que não consta em compêndios escolares, monografias e restante corpus do saber publicado.

Membro de colectividades lacobrigenses, como a Filarmónica 1º de Maio, entre outras, tem vindo a publicar, na qualidade de membro do CEMAL - Centro de Estudos Marítimos e Arqueológicos de Lagos (associação fundada em 1979), vários artigos versando sobre temáticas ambientais e da história local – compondo, estas últimas, a presente obra. Integrou também, durante vários anos, a Comissão Municipal de Toponímia. Tem representado o CEMAL em fóruns locais relacionados com as questões ambientais.

Contrário a honrarias, distinções e protagonismos pessoais não considera fundamental a apresentação de uma biografia mais detalhada pelo que se remete para o conteúdo dos seus textos, o aprofundamento da personalidade do autor.»


PREFÁCIO

Não é este um livro de História, nem aqui se faz historiografia de Lagos. Será, antes, um repertório de breves crónicas sobre tempos idos, uns mais remotos, outros mais recentes, segundo o olhar de um homem que vive o presente e o relaciona com o que conheceu e com o que recolheu em livros e conversas.

Vertidos em traço manuscrito, a lápis, sobre pequenos papéis, essas experiências de uma vivência lacobrigense atestam uma entrega entusiástica ao tempo passado que o autor insiste recordar. José Carlos Vasques evoca episódios da génese da sua terra, momentos de conflito, realizações culturais, figuras da vida local, refere dados demográficos e económicos relacionados com épocas e acontecimentos marcantes, entre muitos outros aspectos relativos à formação, desenvolvimento e afirmação dos valores do nosso município. Sem medo de expor os seus pontos de vista, alerta e tenta corrigir os passos de hoje, descrevendo os anteriores, os certos e os errados, segundo a sua óptica.

José Carlos Vasques não é um historiador. Não é, portanto, um “cavaleiro da exactidão, doutor de conhecimentos inesgotáveis” como acusava Focault a Jacques Léonard. Mas, se o autor não é historiador, este trabalho não deixa de tocar um ponto importante, comum ao papel desses investigadores que “remexem no passado”: «A história serve, entre outras coisas, para compreender» (Marc Bloch, sobre o “ofício do historiador”). Compreender o nosso passado é condição fundamental para nos compreendermos e, com isso, garantirmos a possibilidade dialéctica, o diálogo edificante e edificador, a marcha de um progresso em harmonia.

Esta obra exemplifica até aonde pode ir o exercício da cidadania activa, atenta e orientada para a construção do futuro, retirando do passado aquilo que considera como ensinamentos preciosos.

É com os condicionalismos da contemporaneidade que o autor reflecte sobre os conhecimentos do pretérito e sobre eles discorre, defendendo os seus pontos de vista, a sua crítica inconformista, exprimindo com total liberdade a sua opinião. E este conjunto de reflexões possui o mérito de nos apresentar as interpretações do autor, constituindo um depoimento pessoal de uma época. Libelo do presente sobre ele mesmo e sobre o passado, dirigido ao futuro, afirma-se como um interessante conjunto de pistas que podem ser utilizadas por outros investigadores. Eis a outra virtude desta compilação de artigos apresentados em modestas publicações do Centro de Estudos Marítimos e Arqueológicos de Lagos e em jornais locais, que tive a satisfação de coordenar ao longo da última década, sempre em estreito diálogo com o seu autor.

Esta é, no fim de contas, uma obra simples onde a autenticidade das situações vividas, das experiências acumuladas, das histórias recolhidas, consegue prender a nossa atenção, pois é da nossa terra que ele fala. É um exercício de memória que transpõe a sua e se assume como parte da memória colectiva de Lagos. Registo de alguém que quer viver, e quer que os outros vivam, numa terra melhor.

A José Carlos Vasquez deixo um abraço, agradecendo os inúmeros momentos em que, de forma generosa, partilhou as suas experiências e conhecimentos, bem como a gratificante amizade que nos permitiu construir. 


Francisco Castelo - 2008



1 comentário:

Carlos Mesquita disse...

E que eu, Carlos Mesquita, subscrevo na totalidade.