Ele, tu, eu


Pelo seu comportamento neurótico, parece o capitão Ahab, do romance Moby Dick; empenhado, tal como ele, numa colossal luta de vingança pessoal contra a vida, quer devido às injustiças quer aos insucessos, sobretudo aos insucessos resultantes de injustiças. Um como outro, tudo transformando e distorcendo de forma a encaixar numa cosmogonia megalómana que criaram para si. E demandar a verdade ou um gigantesco cachalote branco, qual é a diferença? Ambas são quimeras inalcançáveis, e insistir nesse propósito só pode conduzir à ansiedade e à alienação. As expectativas com o êxito na vida profissional, social, e pessoal são elevadas, como elevados parecem ser os prémios que a sociedade hodierna convencionou. O ritmo da vida é alucinante e desfasado do ritmo natural do ser humano, e a revolução tecnológica que estabelece tal ritmo não foi acompanhada por uma revolução psicológica semelhante. O homem de hoje é como uma criança de tenra idade colocada aos comandos de uma pista de carrinhos eléctricos que, obviamente, acabará por despistar um após outro. A ansiedade em triunfar desgasta todos os pilotos. E esse homem esgotado, que procura compensações, encontrará quem lhe satisfaça os desejos, a troco da sua liberdade. E nem um nem outro serão heróis, porque esse espaço foi ocupado por coisa subjectiva mas de efeitos concretos, a vida, ela própria, vertiginosa, demente, esmagadora, qual gigantesco cachalote branco, implacável destruidor de todos quantos invadam os seus domínios.
Eis a sua realidade, a nossa casa.

1 comentário:

Unknown disse...

Pois é verdade meu amigo, concordo em absoluto com o que dizes, mas a vida também é aquilo que fazemos dela, e como disse José Régio, no poema Contigo Negro:
"...Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!"