(...)
A velha caminha lentamente apoiada no braço da jovem sobrinha. Vem a primeira, nesta escalfa para a sua idade, a instâncias da segunda que lhe quer mostrar o homem do chapéu bicudo. O mesmo que invariavelmente à mesma altura do dia a espera na bica de água, sentado no poial do chafariz público, ensimesmado até ao momento em que o seu olhar se troca com o da jovem e os olhos se rasgam em sorrisos. E nos minutos que a bilha leva a encher, escuta, da boca dele, uma voz suave que profere floridos poemas provocados e dirigidos à beleza da jovem. Alcandorada no pino da abóbada celeste, a magna candela ilumina a praça em todos os seus recantos quase derretendo com o seu bafo, as casas, a fonte e as gentes da vila.
(...)
O silêncio do burgo quatrocentista é entrecortado por distantes e ténues sons de ferragens em choque, em urgente apuro de trabalho encomendado que a época da ceifa não deixou o ferreiro terminar em data aprazada.
De uma ruela adjacente à praça soam tagarelices de duas crianças: - Descalça o sapato, descalça já o sapato! O pai disse que te tinha dado a moeda. Um, mais taludo, tenta derrubar o outro para lhe descalçar o sapato, esconderijo do tesouro de que exige a partilha. Protesta o mais novo, com um repetido e breve Não! E ali estão, engavelados por uma moeda.
(...)
A gaivota paira suavemente sobre a torre da Igreja aproveitando a ascensão térmica do ar aquecido cá nas baixuras e, dali, observa o escasso movimento em terra e o débil marulhar das águas no rio.
No empedrado da rua ressoa o rodado de uma carroça que abafa o pisar dos cascos da alimária que a puxa. Perto, um vulto negro, de mulher, detém-se na esquina da rua principal, esgueirando-se de seguida por uma viela estreita em direcção ao rio.
Seguimos a carroça que atravessa o largo da bica e avança pela porta de Portugal, nessa direcção indo e cruzando o improvisado estaleiro onde dois homens, curvados pelo trabalho, calafetam um pequeno barco.
A gaivota reduz o bordo de ataque das suas asas e, perdendo velocidade, desce em direcção à linha serpenteante que a água desenha ao longo da ribeira, rapando o pequeno barco assente no areal lodoso do rio na baixa-mar, onde trabalham os dois homens.
(...)
Na baía, perto da entrada da barra de Dona Joana, uma barca aguarda a enchente para vencer o baixio e penetrar no rio indo depois acostar ao cais.
8 comentários:
com o ambiente criado pelo texto, que me parece ser de sua autoria, parece-me deslocado vir fazer um convite, a si e aos que seguem o seu trabalho - que me desculpem ambos.
prémio experimental de fotografia LAGOS MELANCOLIA OUTONAL
- local- centro histórico: o difuso, o detalhe insólito,o pormenor inesperado,a dedada poética, a surpresa perturbante.
prémios: 60 e 40 € e publicação de todas as obras em edição caseira.
datas: de inscrição - até 31 de dezembro; de entrega da ou das obras:15 de janeiro; entrega dos prémios: 30 de janeiro.
mais info, inscrições e envio das obras para:deodato1936@hotmail.com
Caro amigo Deodato. Não me importo de participar, ou melhor, de considerar participar, uma vez que isso dependerá da captação, até à data limite, de alguma imagem que eu considere adequada.
Também não me preocupa, como profissional, perder para um amador. Já me preocupa ganhar, e o que certamente alguns dirão depois: que é injusto misturar dois ou três profissionais num universo de amadores. No entanto, se partirmos da condição de que não serei premiado, aceito participar, com muito gosto.
Já o lacónico regulamento não estabelece formatos digitais (JPEG, TIFF - e que resolução?), nem físicos (15X20cm ou 20X30cm?), nem especifica se podem concorrer trabalhos a cores e monocromáticos, se é permitido manipular a imagem alterando elementos da sua composição original. É que pode ser assim mesmo, omisso dessas coisas e livre de espartilhos, mas… e depois?
Chamo a atenção para o facto de pretender recepcionar os trabalhos via e-mail e pretender posteriormente imprimi-los (?) para exibição/publicação (?). Ora, muitas vezes são duas coisas incompatíveis: as fotos que viajam por e-mail raramente têm qualidade suficiente para impressão.
Mas força com isso. É uma acção positiva.
Abraço
Sim, os excertos do texto são de um conto que vou escrevendo, sobre uma das tentativas de Gil Eanes em dobrar o Bojador.
É mais um exercício de escrita. Há quem crie pombos e quem vá à Bola, eu vou tentando melhorar a forma de escrever. Quando chegar a um nível superior, que me encha as medidas, deixo de escrever.
;D
amigo francisco, já contemplou nesse seu conto o ambiente noturno? é que sempre me atraiu a ideia de estabelecer um paralelo entre o ambiente que imagino ter sido o de ontem - correrias,perseguições mortes,assaltos,vinganças,homens de mão - e o ambiente de hoje, se é que há alguma correspondência.o todo ao estilo nebuloso do passado misturando o nebuloso do presente.coisa que já não farei.o não ter estado no passado e não estar no presente até poderia ser uma vantagem. mas não, guardo as correrias da minha altura: o palco do largo da câmara com o publico noctivago, a cidade recolhida sem portas abertas, e a fala de romeu pacote no centro, dominando a cena, para o artur:" não te rias artur, que amanhã à meia noite tens um duelo comigo na rua da barroca.
amigo francisco: tenho que digerir as informações prestadas sobre o LAGOS MELANCOLIA OUTONAL. as datas vou deixar,que é o mais importante para quem queira entrar na jogo, e porque o outono está no fim. as outras coisas poderão ser melhoradas. até nos podemos encontrar para que me diga pormenores.um abraço e obrigado pela sua participação.
Ainda vai breve, a escrita. Não explorei ainda o ambiente nocturno, nem sei se tenho material e engenho para isso.
A partir de certa altura a história avançará, espero, por si própria. Como tal é difícil determinar, agora, que caminhos percorrerá - para além do marítimo pelas costas do norte de África.
Essas suas memórias é que deve registar, partilhadas passam a ser memória colectiva.
Abraço.
em 1429 andavam calçados?
ora adevia ser um bom burgo
cá no meu em 1980 inda habia gente
qu'andava co'os butes ó léu
Calçados em 1429? Bem visto, forasteiro.
Vou pensar em descalçá-los todos, se bem que a ficção, mormente a meta ficção historiográfica, me permita estas liberdades.
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