Histórias de Cá


Os poemas são como as fotografias. Há coisas boas, menos boas e coisas medíocres. Porém, é fácil fazer passar coisa medíocre por boa. Ou porque se juntam umas tantas palavras que permitem interpretações subjectivas ou porque a forma, ou o conteúdo, suscitam emoções fortes, e eis que a coisa ganha estatuto. O mesmo se passa com as fotografias, muitas delas acidentais ou de intencionalidade duvidosa, mas que o carácter inusitado promove a arte.
Mas o que eu gosto de apreciar são as demonstrações superiores da imaginação enlaçadas no domínio da forma, embora isso seja coisa espinhosa. Aí é que se revela a capacidade criativa, a inteligência e a sabedoria dos artistas. Quer na Literatura, quer na Fotografia.
Vem isto a propósito do livrinho que publiquei este mês e que, uma vez mais, constitui um exercício de aperfeiçoamento da escrita.
Mais preocupado com a forma do que com o conteúdo, repito a fórmula que recorre à metaficção como suporte para estes exercícios. Recurso de criador sofrível que, desta forma, se exime às exigências artísticas da escrita, a obra esclarece, na contra-capa, àquilo a que vem, sem poemas nem fotografias:

«A metaficcção rejeita a verdade enquanto valor absoluto já que o seu objectivo é propor, como verosímeis, outras hipóteses.
Já a historiografia firma-se em factos. No carácter condicional dos factos, sublinhe-se, pois as narrativas históricas também são ficções na medida em que os conteúdos são tanto inventados quanto descobertos. Nas suas investigações, os historiadores nem sempre lidam com factos completos mas apenas com fragmentos, e para completar um texto têm, frequentemente, de preencher as lacunas existentes entre esses fragmentos, inventando. Acresce o factor da interpretação pessoal e das escolhas do autor como contador da história, que pode excluir este ou aquele elemento e dar mais ênfase àquele outro, exactamente como um criador de ficção. Portanto, a subjectividade está presente no discurso histórico.
Assim, História e ficção não podem ser liminarmente julgadas como verdadeira ou falsa, pois nunca são inteiramente verdadeiras nem falsas. Antes acabam por se colocar num mesmo plano, na medida em que a verdade da primeira pode ser tão ilusória como verdadeira a ilusão da segunda.
Esta publicação conclui um ciclo de exercícios de escrita. São pequenos contos de ficção e de metaficção historiográfica em diálogo singular com textos sucintos sobre aspectos da história local.»

8 comentários:

David R. Oliveira disse...

Sim, pois, está bem, mas ...
Parabéns (ainda bem que o faz - é sinal de que tem competências para tanto. Tomara eu!)
mas, dizia eu, e agora: fico a olhar para o post e para a "capa"? ou escreveu-o para si? ou para os amigos e eu não faço parte desse universo?
Antecipadamente grato pelos esclarecimentos que queira fazer, os meus sinceros Parabéns (outra vez)
Abraço
David Oliveira

francisco disse...

Meu caro, mande-me um endereço completo e enviar-lhe-ei um exemplar, com todo o gosto. Ainda que o texto venha a ficar disponível, em pdf, aqui no blogue, isso só acontecerá mais para diante e, em todo o caso, por mais medíocre que seja a peça, em papel é sempre outra coisa. Eu, pelo menos, não consigo ler mais do que 3 ou 4 páginas de coisa escrita, em leitura através do monitor do PC. Simplesmente, não funciona.
Abraço.
F.Castelo

deodato santos disse...

as coisas que mais gostamos de ler ou de ouvir nos outros, são aquelas que gostaríamos de ter dito ou ter escrito - se fossemos capazes.
é verdade que também podem causar inveja. será que podemos admitir alguma coisa de positivo na inveja? se assim é estou muito invejoso. e para quando poderemos aceder ao livro, tem apresentação pública?

francisco disse...

Caro Deodato, chame-lhe inveja ou outra coisa, com essa conotação é positiva. E por vezes é essa admiração pela escrita dos outros que nos incita a escrever. Maravilhado com certas escritas, procuro melhorar a minha numa tentativa, obviamente inalcançável, de igualar os autores que mais aprecio. Mas é um óptimo estímulo. Continuo a tentar escrever melhor, mas sempre com a mesma sensação de ficar a milhões de anos-luz da forma que procuro (atenção, não é estilo o que procuro, é mesmo o rigor da norma). Por mais que me tente prender aos conteúdos, é escusado; o objectivo, o prazer que retiro da escrita, radica mais na forma. No entanto, as malditas vírgulas parecem sempre mal posicionadas, por mais que as empurre para trás ou para diante. A imaginação, a criatividade, não me preocupa. Ainda hoje, e após a nossa troca de mensagens sobre os Contos em Barão, escrevi um e iniciei outros dois. Sendo coisa breve, como o é uma página de texto, é-me muito fácil inventar, e relativamente fácil escrever muito perto daquilo que gosto em relação à forma - porque é rápido rever, emendar e voltar a fazer revisões. Em dois ou três dias obtenho um texto definitivo que me agrade.
Mas escrever uma novela, ou mesmo um conto de 20 ou 30 páginas, é uma dor de cabeça, porque nunca está a meu gosto (mais uma vez, refiro-me ao plano formal). E não me interessam as palavras de encorajamento com desvalorização da importância da forma em relação ao conteúdo. Não dou valor a textos mal escritos, mesmo que apresentem ideias admiráveis, enredos magníficos, situações originais. Assim, não me impressionam. Também continuo a chamar exercícios a estes textos, não para os desculpar, para os colocar a salvo das críticas, mas apenas porque ainda não me satisfazem plenamente.

Não há apresentação formal do livro. Digamos que apenas nesse aspecto dispenso o formalismo. Não volto a cair no erro da primeira publicação, e da sensação de que as pessoas estavam à espera de outra coisa, ou de mais substância. Ainda não sinto qualquer ligação ao leitor. Volto a dizer que não tenho leitores para quem escrever, leitores que me estimulem a escrever. E não o lamento. Julgo até que seriam um empecilho à escrita. Escrevo para mim, para ordenar ideias, para exercitar a escrita, e só publico para estabelecer fasquias, e por uma vaidade que se cumpre na minha própria estante. Ao ego basta ver o livro ali, e não necessariamente nas estantes dos outros.
Dia 17 posso levar uns quantos exemplares.
Abraço.
F.Castelo

deodato santos disse...

o exercício da escrita. no fundo é como compor música escrevendo directamente as exiguas sete notas. também há o exercício de escrever uma só frase apenas com o ponto final. apenas há um leitor:dentro de nós. não posso deixar de nomear Cioran : Objection contre la science:ce monde ne mérite pas d,être connu.
para 12 de janeiro ( não 17 ) também já tenho um quase limpo. e já tenho outro pronto para passar ao papel, que pelo momento destino à última sessão. um abraço.

TheOldMan disse...

Afinal parece que aquela ausência deu frutos, Francisco de Blog.

Fico à espera então da tal edição em *.PDF.

Abraço.

;-)

francisco disse...

Aquela ausência já era apenas para efeitos da publicação. Mas o conteúdo anda aqui pelo blogue, embora muito espalhado e sem os respectivos desfechos publicados. A edição em pdf é para mais tarde, portanto enviarei por correio, logo que tenha disponibilidade para enfrentar as filas dos CTT. Acho que ainda tenho por cá o endereço. Senão peço de novo.
Abraço.

PS: mas como gastei algum tempo em revisões ao longo do último mês, agora aproveito a embalagem e vou lançado nos micro-contos, em resposta a um repto que publiquei no último post. Já estão dois concluídos e ando a matraquear em dois outros. O exercício faz bem, tonifica os músculos cerebrais e digitais.
;)
Abraço

deodato santos disse...

apenas há um leitor: o que lê dentro de nós.
apenas há um escritor: o que escreve dentro de nós.
deodato santos