(...)
"Pedro, como tu sabes, o
desemprego e a crise nunca podem ser por ti descritos como
oportunidades, porque pode dar a entender que a crise e o desemprego
podem ser uma... como dizer? — oportunidade! Já os sociólogos, os
curiosos e os comentadores diversos podem sempre dizer que a crise é uma
oportunidade e lembrar aquela coisa do carácter chinês que serve para
descrever crise e oportunidade, pela simples razão de que essa malta não
tem oposição. Mas tu, Pedro, tu tens! E a tua oposição está toda
certificada com o diploma de boa consciência social. São, portanto,
pessoas que sabem tudo sobre o assunto. Dirás tu que também conheces
pessoas para quem o desemprego se revelou uma oportunidade. Mas...
Pedro... pessoas? Que interessa isso? O que interessa à boa consciência
social são os arquétipos. Repara que a consciência social certificada
sabe o que é o desemprego, sem nunca ter estado desempregada; sabe o que
é morar nos subúrbios, tendo sempre morado no centro de Lisboa; sabe o
que é um patrão desumano, sem nunca ter tido patrão nenhum e sabe, de um
modo geral, o que é uma crise, sem nunca ter tido a menor dificuldade.
Os arquétipos deles têm para aí uns 100 anos, que é para baterem certo
com teorias que têm a mesma idade. Por isso, a eles não lhes interessa
pessoas ou situações concretas, apenas o coletivo. E, dentro do
coletivo, basicamente aqueles indignados com a situação que têm, eles
próprios, um claro certificado de boa consciência social. Os indignados
que querem mudar o mundo, os governos e os mercados e te assobiam na
Feira do Livro. Esses conhecem bem os arquétipos da crise e do
desemprego. E não querem cá concorrência! Não pode vir agora um tipo
como tu, sem certificado, a dizer o que deve ou não fazer um
desempregado. Porque esses indignados estão ali a mostrar o caminho da
indignação e da revolta. Juntam-se, berram, indignam-se, apelam e fazem
barulho e demagogia a rodos. Sem a crise, toda a gente acharia que eram
um bando de loucos. Mas a crise deu-lhes a possibilidade de serem
ouvidos. Para eles, caro Pedro, o desemprego tem sido a oportunidade que
lhes faltava.
Ver texto completo do Comendador Marques de Correia aqui, com a Devida Vénia ao Marques Correia
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