«Há uns tempos atrás estava a ver uma notícia, um
documentário ou algo similar, no meio do qual aparecia o refeitório duma
fábrica e era mencionado que os preços das refeições eram mais baratos
para os funcionários que tinham os salários mais baixos.
Toda a gente pôs um ar aprovador e até tenho a vaga
sensação de que houve um comentário do tipo: “É justo, quem ganha menos
deve pagar menos”.
A coisa passou, mas como é habitual em mim, fiquei a matutar no assunto e a pensar que não fazia sentido nenhum.
Antes de me acusarem de insensibilidade social e de
outras coisas piores, dêem-me o benefício da dúvida e leiam o texto até
ao fim.
Todas as opções, neste mundo, são legítimas, desde
que conscientes, fundamentadas e frontais. O que não fica bem é mentir,
escolher sem perceber porquê e escolher ao calhas.
No caso da fábrica há dois sistemas básicos para fazer a mesma funcionar, em termos de gestão de pessoal.
Pode-se decidir que toda a gente ganha o mesmo – o
salário é sempre 100, desde o funcionário que lava o chão até ao
administrador. A opção já foi experimentada montes de vezes. Existe uma
infinidade de dados económicos e estatísticos que podem ser consultados
para cada um decidir se o sistema funciona ou não.
Pode-se decidir que quem lava o chão ganha 100 e o
administrador ganha 2.000. Novamente, o sistema está testadissímo e os
dados estão disponíveis para análise e avaliação.
O que não é legítimo é dizer que se escolheu a
segunda opção e depois no refeitório cobrar 1 a quem lava o chão e 20
ao administrador. Não é legítimo porque se pagarem 20 vezes mais a uma
pessoa e lhe cobrarem 20 vezes mais pelas coisas que compra, na
realidade estão a pagar o mesmo aos dois, ou seja, estão a mentir.
Disseram que tinham seguido a segunda opção e depois, subrepticiamente,
tentam transformá-la na primeira.
Se querem a primeira, escolham a primeira.
Já estou a imaginar os comentários:
- Mas não cobram 20 vezes mais ao administrador, só lhe cobram o dobro.
Vai dar ao mesmo. Então paguem-lhe 1.000, em vez de 2.000 ou paguem 200 a quem anda a lavar o chão.
Nesta altura o meu interlocutor desiste da argumentação lógica e apela à parte emocional.
- Isso, teoricamente, se calhar até está certo, mas
há tanta injustiça grave por aí e tinhas logo de ir implicar com uma
ligeira abébia dada a uns desgraçados num refeitório – és mesmo
mesquinho.
Tem razão. Para ser sincero, a história do refeitório incomoda-me pouco. O que realmente me incomoda é que este modo de pensar infiltrou-se na sociedade e destrói a eficácia das nossas decisões colectivas, como país e das nossas decisões individuais, como pessoas.
No fundo, é um problema de falta de maturidade
emocional, de incapacidade de escolha. Quem tem crianças pequenas sabe
exactamente do que estou a falar:
- Francisquinho, tens aqui dois convites para festas
de anos, no próximo Sábado. Uma do primo Rodrigo e outra do teu
amiguinho da escola, o Rui. Queres ir a a qual?
- Quero ir às duas, responde a criança com os olhos muito abertos.
- Não pode ser, Francisquinho. As festas são AO MESMO
TEMPO. Uma em Lisboa, que é onde nós moramos e a outra em Oeiras, que é
muuuuuiiiiiito longe. São AO MESMO TEMPO. Só podes escolher uma. Queres
ir a qual?
A criança hesita um pouco e depois responde:
- Quero ir à do primo.
- Está bem, então vou dizer à tia que nós vamos à
festa do primo e vou telefonar aos pais do Rui a dizer que não podes ir à
festa porque tens um primo que faz anos no mesmo dia.
A pessoa vira as costas para ir fazer os telefonemas e ouve uma voz lá atrás.
- Ó pai!
- Sim?
- E posso ir também à festa do Rui? Pergunta a criança com o ar mais inocente do mundo.
É desesperante.
É desesperante nas crianças, nos adultos tem consequências terríveis.
As pessoas hoje em dia, em Portugal, têm o hábito de
dizer que os políticos destruíram a democracia. Eu não concordo de todo.
Eu acho que os eleitores destruíram os políticos.
Imaginem o quão horrível é ser político e ter o Francisquinho como eleitor.
No exemplo acima, o pai acaba por ter de dizer ao
filho que vai à festa do primo e ponto final. O miúdo fica a chorar mas
no Sábado vai à festa do primo, começa a brincar e nunca mais pensa no
assunto. E no fim, adorou a festa.
Mas quando o Francisquinho é eleitor, se o pai não
lhe diz que o leva às duas festas ao mesmo tempo, ele simplesmente manda
o pai embora e manda vir outro pai, o qual, tendo assistido ao triste
destino do seu antecessor, diligentemente promete logo que o leva às
duas festas. Como? Isso é um problema para resolver no Sábado. Logo se
vê.
Acabou de ser criado o tipo de político que as pessoas criticam. E depois dizem, iradas:
- Mas não há políticos de jeito neste país?
Com o Francisquinho como eleitor, não há, nem pode haver.
Encarada a questão desta forma, peço aos leitores com
idade suficiente, para puxarem pela memória e se lembrarem do panorama
político nos anos imediatamente a seguir ao 25 de Abril.
Havia os partidos mais diversos, mas tinham todos uma
coisa em comum: cada partido tinha um projecto de sociedade e a sua
actividade consistia em tentar convencer os eleitores a aderir ao
projecto.
O projecto do PCP, por exemplo, era clarissimo:
nacionalizar as empresas, colectivizar a agricultura e criar um regime
de partido único. Até havia uma montra para o produto – a União
Soviética. Quem gostasse, votava.
Em 1975, o PCP não “adaptava” o seu projecto aos gostos dos eleitores, limitava-se a publicitá-lo.
Com os outros partidos, passava-se o mesmo. Cada um tinha um projecto e queria que os eleitores aderissem.
Havia várias festas e pedia-se às pessoas que decidissem a qual queriam ir.
Os peritos em marketing rapidamente perceberam que a
maneira de ganhar eleições era deixar de dizer aos eleitores o que eles
deviam querer e passar a fazer estudos de mercado ininterruptos para
estar sempre a par do que os eleitores queriam.
Concluíram que os eleitores queriam um Estado Social
em que tudo fosse gratuito, como na Suécia. A maioria, assumidamente ou
não, gostava da idéia de não existirem ricos nem patrões, como na União
Soviética mas queria ter acesso a consumir todos os produtos que havia
nas lojas em França e na Alemanha.
Basicamente, o Francisquinho queria ir às festas
todas ao mesmo tempo. Queria os doces de uma, os amigos que estavam na
outra e os insufláveis da terceira festa.
E os políticos, por necessidade, adaptaram-se. Os que
não se adaptaram, já ninguém se lembra dos nomes deles. Se calhar, são
esses os tais políticos “de jeito” que não há. Ou talvez não sejam, não
sei.
As pessoas queixam-se também de que os políticos não
fazem nada do que o povo quer – é simplesmente mentira. Os políticos
tentam fazer exactamente aquilo que o povo quer. Tentam com tanto
empenho que o PSD e o PS ficaram virtualmente indistinguíveis.
E depois de criado esse enorme espelho da vontade de
70% do eleitorado, quando o eleitor se olha nele, comporta-se como as
mulheres:
- Estou horrível! Eu não sou assim. Este espelho faz-me parecer gorda, faz-me parecer velha. O espelho está todo deformado.
Acho que chegou o momento de ter uma conversa séria, de pai para filho.
Caro Francisco. Estás a ficar um homem. Vou deixar de
te chamar Francisquinho e vais passar a escolher e a ir, sózinho às
tuas festas.
Neste momento, há 3 festas em curso, podes ir a qualquer uma:
Tens a festa do capitalismo. É uma festa de arromba.
É, de longe, a mais animada. Aliás, já passou completamente das marcas. É
uma festa de excessos. Está tudo bêbado. Fazem-se linhas de coca pelos
cantos. O pessoal está tão pedrado que começaram a partir tudo e pegaram
fogo ao P.A. Os vizinhos já chamaram a Guarda e parece que a coisa não
vai durar muito.
Tens a festa do socialismo. É uma coisa de tristes,
com uns velhotes a passear lá pelo meio. Creio que já nem tem música. É
mais tipo uns drinks e tertúlia literária.
Ouvi dizer que há uma festa da ecologia, mas não
conheço ninguém que lá tenha ido. É uma cena underground. Faz uns
telefonemas e vê o que consegues descobrir.
Se não gostas de nenhuma, organiza um “botellon” aí na rua, com os amigos, pode ser que descoles uma cena fixe.
Ou então, faz como eu, vai dormir.»
bolds meus
texto retirado do blogue ideasforarevolution
http://ideasforarevolution.wordpress.com/2012/05/25/sobre-os-politicos/
5 comentários:
Acho que hoje vou ficar em casa; abrir o bourbon de reserva e pôr a leitura em dia.
Abraço
;-)
E eu, mesmo já no final de uma crise de gota, não me atrevo a pôr a leitura em dia. E a pena que me dá, com 4 garrafas de Muralhas ali no frio.
Sinto-me lisonjeado pela utilização do meu texto e acho que os bold estão exactamente nos sítios certos. Não contesto que a autoria está claramente atribuída, mas mesmo assim, não sei se não acho um pouco pesado passar o meu texto para outro blog, até porque eu, por exemplo, não consigo seguir o link para a origem do texto.
Sugiro o seguinte compromisso. Deixa-se estar o texto mas acrescenta-se uma frase a dizer: Retirado destet blog - (e põe-se o endereço do blog por extenso) ok?
Efectivamente terei cometido algum erro com a ligação pois em vez de seguir directamente ao seu texto, ia para a página do meu perfil. Peço desculpa. Agora já está com as ligações correctas, no início e no fim do artigo (aqui, duplamente, para o artigo e para o blogue).
Considerando que o artigo é extenso também poderei deixar apenas metade e convidar os leitores a ler o texto integral no sítio de origem. Se assim pretender, diga.
Parabéns pelos artigos que produz e votos de Saúde.
Francisco Castelo
Está ok assim, obrigado. Em textos futuros, essa ideia de pôr metade do texto é interessante...
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