Insónia 436#



Entrei na sala onde, na minha ausência, teria caído um silêncio repentino e recente, para receber o singular pedido de um dos meus acompanhantes que ficara no interior, abeirado à mesa, sentado numa daquelas cadeiras de atabúa tradicionais da serra fronteiriça que o Algarve partilha generosamente com o Alentejo, certamente recompondo-se da caminhada íngreme, descansando as pernas mas dando serviço aos olhos no apreciar do presunto que enfeitava o centro da mesa, tendo declinado a oferta do dono da casa para visitar as pocilgas e admirar o sovão de 20 arrobas, pai de toda a criação suína do monte.
- Aqui esta rapariga anda a contas com a vida sem saber se há-de seguir os ditames da cabeça ou os ímpetos do coração, tu que és sábio, o que aconselhas? Meneando a cabeça para o lado esquerdo, onde uma jovem morena de olhos brilhantes nos observava, de cabeça meio inclinada para a frente, envergonhada.
Suspirei de cansaço físico, ou enfado com aquela apresentação de sábio, e decorrida a eternidade de microssegundos que os neurónios despendem na organização da resposta, talvez espirituosa para tal desafio, respondi, mesmo sem saber a verdadeira natureza da questão.
- Existem três respostas para essa questão, a resposta sábia, a resposta prudente, e a resposta que move o mundo, qual das respostas queres, menina?
Sorrindo, ainda meio envergonhada mas já com a cabeça levantada, respondeu-me.
- Sei lá, estes é que estão para aqui a inventar que tenho males de amores, e escancarou o sorriso baixando de novo a cabeça.
Olhei a jovem que não teria mais de 16 anos e, desejando acabar com aquilo rapidamente para me poder sentar e libertar o dono da casa para o convite de atacar o presunto, disse.
- Olha dou-te as três respostas pelo mesmo preço. A resposta sábia diz que se seguires o coração partirás a cabeça, e se seguires a cabeça partirás o coração; a resposta prudente recomenda que tomes uma cadeira e te sentes, esperando que algum coração ou alguma cabeça venha partir-se em ti; e a resposta que move o mundo incita a que sigas o impulso mais forte, seja ele o da cabeça ou o do coração, assim como assim nunca há a certeza de que um impulso do coração não seja apenas uma ilusão da cabeça, tanto quanto uma tontura não possa ser um achaque do coração. 
- E não me perguntes mais pois não sei mais. A sabedoria é uma coisa muito pequenina, muito menor do que a ignorância. Se pretendes insistir numa resposta directa e simples pergunta aos ignorantes, esses têm resposta para tudo.

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