Uma entrevista muito interessante

foto do Jornal i



«Escritores como José Rodrigues dos Santos, Miguel Sousa Tavares, Domingos Amaral, Margarida Rebelo Pinto, etc., devem ser estudados, não pela fama, pelo prestígio ou pelo dinheiro que possuem, mas porque têm um alcance social enorme. Não só para perceber o que é que há nesses livros que atrai tantas pessoas, mas também para criticar a visão estática, rudimentar e esquemática da realidade que está por trás desses romances. E ainda para chamar a atenção para um determinado clima estilístico, quase sempre bastante rançoso e sem grandes subtilezas intelectuais, onde as metáforas, as comparações, o léxico, a própria estrutura frásica, a arquitectura de conjunto só por caridade é que podem ser considerados literatura.» 
(negrito do autor do blogue)

Texto completo aqui




«Veja-se a referência constante do Miguel Sousa Tavares à sua memória de um Algarve supostamente original, para onde ele ia desde os primeiros dentes. Normalmente é acompanhada de um lamento fúnebre pelas praias que, invadidas pela maré humana do turismo de massas, perderam o seu encanto e a sua autenticidade. De facto, para certas famílias, a democracia é uma chatice. Afastadas e despojadas de alguns dos seus antigos privilégios, como o acesso a praias quase privativas ou o gozo de viajarem de forma confortável, sem precisarem de contactar com plebe tumultuosa e abjecta, essas famílias desenvolveram uma visão pessimista da democracia, transformaram a sua decepção numa visão trágica do mundo. É isso que explica, de resto, que MST se coloque na posição do herói que empreende uma busca dos valores autênticos degradados por uma sociedade que deixou de respeitar as tradições e os costumes locais.»
(...)
«Na verdade, o que está na origem da exibição de ignorância de muitas das nossas elites é precisamente o facto de consumirem subprodutos ou maus produtos culturais em doses elevadas. É a própria indigência cultural, em muitos casos susceptível de vergonha, das nossas elites que explica a sua mediocridade, a sua falta de civismo, a sua ignorância. Além disso, as chamadas classes populares ou médias baixas, sobretudo agora que incluem uma série de pessoas com estudos superiores, não são constituídas apenas por pessoas que só consomem maus produtos culturais, nem são necessariamente aquelas que possuem menos ferramentas para decifrar as mensagens supostamente mais complexas dos produtos da alta cultura ou com grande prestígio cultural.»
(...)
«Exceptuando umas fotografias dele em Nova Iorque, com um casaco novo e disposição alegre e jovial, que o Valter publicou num site que utilizava para se promover. Já que tinha ficado com os meus direitos de autor, ao menos que lhes desse bom uso… Tudo indicava que sim, porque, muito masoquista, fui acompanhando, durante algum tempo, as viagens dele à volta do mundo graças às vendas do Couves & Alforrecas…»




António Barreto em entrevista

Breve, sobre a excelente entrevista a António Barreto no Observador, aqui

Dos mitos da reforma Agrária: «O mapa do Alentejo das ocupações é muito claramente o mapa das melhores herdades. E as leis, quando se dizia que serviam para penalizar os proprietários absentistas, fizeram uma coisa absolutamente miserável: penalizaram as benfeitorias.»

Politicamente, o povo português é infantil, para não dizer imbecil: «quando, por exemplo, nos debates parlamentares ou noutras ocasiões alguém diz “isto é a política da direita”, isso é um insulto. E passa como tal. Se for o contrário, “isso é de esquerda”, para a maior parte das pessoas é qualificativo.»

A estratégia é apoiar quem delapida o erário público e divide migalhas com os jornaleiros: «nos tempos que correm há uma tendência primordial de complacência com a esquerda. E há o contrário, há alguma predisposição pouco amigável com a direita. O bom momento que este Governo viveu neste ano e meio ficou a dever-se, em grande parte, à complacência, à cortesia, da imprensa em geral.»

Ai, sacrilégio, ter opinião própria e divergente da esquerdalha: «…conheço muito bem o programa político do PCP e do BE, o que quer que se faça com estes dois partidos é sempre com uma intenção: é mais um passo para chegar ao mesmo sítio. E esse sítio é “não Europa, não euro, não NATO, não democracia conforme a conhecemos”. E eu não quero isso, não quero fazer bocadinhos de caminho com alguém que não quer ir para o mesmo sítio que eu.»

Por isso é tão cobiçado e vilipendiado: «A única coisa sólida que há em Portugal é o Estado. Para se agarrar. Já há pouca cultura, há pouca economia, pouca empresa. Os partidos políticos olham para a economia mas, infelizmente, com muito más intenções. Houve corrupção por tudo quanto é sítio, isto é, partidos a tentarem encontrar uma base sólida de subsistência.»


sintonias

Sem me querer comparar ao magnífico escritor Reinaldo Moraes (até porque nem posso comparar-me com nenhum escritor), descobri agora que ambos produzimos em 2010 um par de textos religiosamente ímpios e iconoclastas, o meu aqui e o dele ali. Considerando plausível que outros milhares de criaturas terão feiro o mesmo por esse mundo fora, na mesma altura, será exagero chamar-lhe coincidência, antes uma simples sintonia genérica.

Desse autor, anoto, para uso futuro, as obras publicadas: 
Tanto Faz 
Pornopopeia
O Cheirinho do Amor
Umidades


o Incêndio Costa -Lacerda

O incêndio Costa-Lacerda
Henrique Raposo


«Num país que levasse a sério a transparência e a responsabilização, António Costa já estava politicamente destruído. Como se o nepotismo do negócio TAP (amigo Lacerda) não fosse suficiente, assistimos nesta semana a um desnorte inédito ao nível da estrutura do Estado. Agora percebe-se que a campanha eleitoral desastrada de 2015 que conduziu à sua derrota não foi um acaso: quando sai do círculo lisboeta onde é protegido por jornalistas, comentadores e senadores, quando é testado a sério, Costa falha. É incompetente. Mas a questão, como dizia há pouco, vai muito além desta semana. A tragédia de Pedrógão é a consequência de falhas graves do passado de Costa e do regime.

O tal Siresp foi recontratado por Costa em 2005. O problema aqui não é a mera incompetência ou falta de coragem para rasgar esta PPP que tem o dedo da PT, do BES, do BPN — algo que Costa partilha com outros ministros do PSD antes e depois de 2005. O problema, meus caros, é que Costa recontratou o Siresp num negócio que envolveu o amigo Lacerda. A sua carreira política devia ter morrido aqui. Não morreu. Costa é da esquerda lisboeta, ou seja, tem um salvo-conduto que o coloca acima do bem e do mal. Sucede ainda que os primeiros-ministros do PS têm o direito divino de trazer as suas amizades para o perímetro do dinheiro público.

Mas continuemos, porque o incêndio Lacerda também continua. Costa foi o ministro que desprezou o grande estudo feito neste século para a reforma do combate aos fogos. Um dos grandes especialistas, José Miguel Cardoso Pereira, escreveu nesse estudo o que agora é tragicamente evidente: não se pode concentrar tudo a jusante, no combate; é preciso retirar a proteção civil do combate ao fogo, é preciso criar um corpo de sapadores/engenheiros que trabalhe de janeiro a dezembro; como se faz no Chile, Espanha, Austrália, Califórnia, podemos fazer mais com menos dinheiro.

Como o próprio Ascenso Simões reconheceu, Costa desprezou o estudo e optou pela política voluntarista do combate, adjudicando, entre outras coisas, os helicópteros Kamov. Estes Kamovs, além de caríssimos, são inúteis. Ou seja, a incompetência de Costa surge de novo, mas vem acompanhada de algo ainda mais grave: nepotismo e eleitoralismo. Costa contratou os Kamovs num negócio que voltou a envolver o amigo Lacerda, desprezou o saber científico, cedeu ao mais fácil e ao mais telegénico: a foto ao lado dos grandes meios, que, segundo os especialistas, não resolvem o problema. Em resumo, tudo o que está errado no regime e no sistema de proteção civil cruza-se com Costa e com esta tragédia — talvez a maior desde as cheias de 1967.


Não falo de 1967 por acaso. Costa e Marcelo impuseram ao país uma atmosfera idêntica àquela que Salazar impôs em 1967: foi a natureza, nada podia ser feito, não houve erros técnicos ou políticos, fazer perguntas é antipatriótico, siga a banda. E muito jornalismo pactuou e pactua com a narrativa. Aliás, tem sido abjeta a forma como muitos media têm glorificado as lágrimas e abraços dos governantes, como se tivessem sido eles a sofrer a tragédia, como se tivessem sido eles a perder filhos, pais e avós. Está para lá do revoltante, é grotesco.»

Cosmopolita ou provinciano?

E eu, que não gosto de viajar, poderei ser um cosmopolita ou sou um irremediável provinciano - ou mesmo apenas um aldeão?!

«Ser da província ou ser provinciano não é a mesma coisa. Há provincianos nas grandes cidades e gente cosmopolita em aldeias. Uma aldeia pode gerar cidadãos com uma visão plural do mundo e uma cidade pessoas pequeninas na visão das coisas. O cosmopolitismo não corresponde à situação de se viajar muito, de se “conhecer” o mundo — há gente que viu o mundo todo sem ter visto mais que o próprio umbigo. O verdadeiro cosmopolita não precisa de dizer que foi à Argentina, que tem amigos em Sydney ou negócios em Xangai. Que tem casa em Paris ou passa férias na Toscânia. Que esteve um ano em Cape Town e escreveu histórias sobre a América profunda. O verdadeiro cosmopolita não se vê como um português que é mais “civilizado” que os outros. Que fez mais milhas, que fala mais línguas. O cosmopolitismo não corresponde a uma espécie de erudição feita viagem, comparando o cosmopolita com quem não é. O cosmopolitismo é acima de tudo, sentir-se bem em diferentes lugares, com diferentes pessoas, não renegando a própria identidade e exercendo a alteridade, gerando sobre as duas sucessivas oportunidades de alargamento. Assim, um cosmopolita não “vai ao estrangeiro”, pois, de alguma forma, vá onde vá, está sempre em casa e não precisa de o anunciar, repetidamente, a toda a gente.» – Jorge Barreto Xavier

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O fim está próximo?


Se olharmos para a História facilmente percebemos que nunca a humanidade viveu tão bem, que nunca teve condições tão favoráveis para viver, ainda que subsistam grandes assimetrias entre a riqueza e a pobreza, ainda que decorram dezenas de sangrentos conflitos regionais, ainda que mais de metade da população dos países ricos viva sob angústias constantes, e igual número nos países pobres viva no limiar da sobrevivência. 

O espectro do pessimismo assola o planeta; seja à custa da ameaça da destruição total na Coreia, seja o derretimento das calotes polares, a fome no mundo, os ataques terroristas, ou a crise económica, cultural e política; tudo factores que nos fazem temer o fim da humanidade. Porém, um cientista e investigador destes assuntos, Max Roser, argumenta que se olharmos para os últimos dois séculos temos muitos motivos para estarmos optimistas com os rumos que tomámos, ainda que qualquer pesquisa científica feita num vasto universo de inquiridos traduza como resultado a firme convicção de que o mundo está a ficar pior (assim aconteceu recentemente com 18 mil inquiridos na Grã-Bretanha). 


Mas se admitirmos que um mundo melhor significa um mundo com mais saúde e educação, menos pobreza e menos mortes, Roser tem razão. Para saber mais consultar o estudo aqui. 


Porém, e não obstante essas conquistas da ciência, da tecnologia e da civilização, não devemos ignorar as reflexões daqueles que pensam sobre o mundo e a vida, reflexões pertinentes que abordam a natureza e o comportamento dos humanos.


«O mal e o remédio estão em nós. A mesma espécie humana que agora nos indigna, indignou-se antes e indignar-se-á amanhã. Agora vivemos um tempo em que o egoísmo pessoal tapa todos os horizontes. Perdeu-se o sentido da solidariedade, o sentido cívico, que não deve confundir-se nunca com a caridade. É um tempo escuro, mas chegará, certamente, outra geração mais autêntica. Talvez o homem não tenha remédio, não tenhamos progredido muito em bondade em milhares e milhares de anos sobre a Terra. Talvez estejamos a percorrer um longo e interminável caminho que nos leva ao ser humano. Talvez, não sei onde nem quando, cheguemos a ser aquilo que temos de ser. Quando metade do mundo morre de fome e a outra metade não faz nada... alguma coisa não funciona. Talvez um dia! José Saramago, in La Verdade (1994)»