Drogas. A morte em vida

+ 2020.01.16
A Dora Isabel da Piedade não faleceu naquele dia 9 de Outubro de 2019, ao contrário do que me fora dito por familiares que habitam no nosso Bairro. E, portanto, o texto que redigi naquele dia foi um obituário antecipado; uma antecipação de 99 dias… ou talvez não! Ao invés, terá sido, sim, um obituário manifestamente atardado.
Nesse texto (abaixo reproduzido), que provocou alguma celeuma junto da merdaleja - gente ociosa de parapeito de janela, W7, W10 ou iPhone; e gente vácua que não liga o cérebro antes de abrir a boca - denunciava eu que a Dora já tinha morrido há muito tempo embora o seu espectro ainda caminhasse entre nós.
E quantos outros passam assim, diariamente, por nós e pela nossa disfarçada indiferença?
F. Castelo /2020.01.17


Drogas, a morte em vida

As drogas não trazem a morte, elas são a morte. E a pior morte é a que um indivíduo experimenta em vida.
Quantos, no passado, subjugados à escravidão, à tirania da ganância de outros, atravessaram a vida já mortos, despojados do mínimo laivo de liberdade e dignidade?!
Igualmente subjugados a uma escravidão, não imposta por terceiros mas resultante, sim, do seu livre-arbítrio, quantos desbarataram e desbaratam a sua vida, entregando-se aos enganadores prazeres da droga que vende uma falsa alegria, um prazer efêmero de episódica embriaguez dos sentidos, incapacitando-os de desfrutar das possibilidades que a vida disponibiliza?!
Num mundo complexo e competitivo, pejado de dificuldades e falsidades, os fracos baixam os braços e apontam as complicações e os conflitos como desculpas para embarcar num suposto modo de vida “alternativo”, “embriagante”, “redentor”, trocando a liberdade potencial que poderiam construir para si, por efémeros e enganadores prazeres.
Incapazes de fazer escolhas e, consequentemente, incapazes de controlar a sua existência, os fracos transformam-se em pessoas compulsivas, eternamente dependentes daquele vício que, amiudadamente, experimentaram inicialmente apenas por curiosidade, mas ao qual ficaram agarrados para sempre.
E justificam a si próprios o que fazem, em função daquilo que sentem sob o efeito ilusório das drogas.
Frequentemente, julgam, e dizem, que ninguém tem nada a ver com as suas vidas e com o rumo que escolheram para elas; logo aí começam a experimentar um dos maiores malefícios que a droga traz, o isolamento, e daí iniciam a caminhada vertiginosa rumo ao fim.
E a comunidade não consegue evitar isto. Ajuda no que pode e quando pode mas não evita estas mortes em vida de vidas que quando terminam, apenas formalizam o óbito.
A Dora faleceu hoje. Lá onde estiver, se tal sítio existir, esperemos que não chegue a acção gananciosa dos traficantes, e que finalmente encontre a serenidade que em vida não teve.
F. Castelo / 2019.10.09



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