Há escritos que devem ficar em memória permanente para atirar às fuças de tanto filho de puta pseudo-democrata que arenga loas ao Estado e à Democracia que temos; e aos patetas e bestuntos que neles acreditam. Engulam a realidade, calhordas.
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~ A irrealidade como forma de vida ~
Cada época vive envolta nas suas mistificações, como uma vaca vive na sua nuvem de moscas, impotente para as sacudir. Talvez precisemos de nos embalar nas nossas mistificações para que as coisas adquiram um sentido, tomado de empréstimo ao espírito do tempo, material importado, ou — tem acontecido — material resgatado do fundo do baú pátrio.
Quando, por exemplo, lemos artigos de opinião publicados no ano da graça de 1975, ficamos com a impressão de que Portugal, naquela época, consistia num alegre manicómio. As mistificações do passado tendem a ser facilmente discerníveis a olho nu, ao contrário das actuais que tomamos por realidades ingentes, que se impõem ao observador mais obtuso, como a estátua do marquês de Pombal se impõe à praça do mesmo nome.
O nosso regime teve a sua infância, e nela quis construir uma “via original para o socialismo”, como nós também, em crianças, projectávamos ser agentes-secretos ou índios, quando fôssemos grandes.
Observar as ilusões e pantominas do passado devia precaver-nos contra os barretes que continuamos a enfiar continuamente, alienados numa extravagante irrealidade voluntária.
Infelizmente somos um povo pouco inclinado para a observação e muito dado à dedução. Sem observação o marxismo-leninismo ainda por aí andava, montado no seu castelo de deduções, juntamente com a escolástica medieval, que tantas maçadas deu a Giordano Bruno. Talvez por isso a ideologia conte tanto por cá, o país que, a título de exemplo, execra o “neo-liberalismo” como se o “neo-liberalismo” o tivesse aldrabado num processo de partilhas, sem prejuízo de a mera observação revelar que somos dos mais pobres, burocráticos e corporativos países da Europa. Raquíticos, todos os nossos pavores estão associados ao excesso vitamínico.
As nações que integravam o império dos Habsburgos já nos ultrapassaram (aliás, só estiveram atrás de nós durante o período comunista), as nações bálticas do império dos Romanovs também, portanto já só nos resta sermos ultrapassados pelas nações vassalas da Sublime Porta.
A pobreza e o atraso portugueses não são mistificações. O “neoliberalismo” preconizado pela “direita”, ou a alegada preguiça dos beneficiários do rendimento mínimo, são. Nem merece a pena elencar as mistificações ativas em território nacional, importadas ou vernáculas, que importa.
Já não há inquisição, nem conventos ricos a abarrotar de freiras lúbricas, nem jesuítas (excetuado o Lumiar), nem perigo espanhol, nem protetorado inglês, nem mapa côr-de-rosa, nem rei, nem republicanismo terrorista, nem fascismo, nem império, nem perigo comunista. Começam a faltar os álibis clássicos para a realidade teimosa do nosso atraso. Vai recomeçar o jogo das deduções, inaugurado pela geração de 1870. Infelizmente essa geração acabou no desespero, no suicídio ou na defesa da ditadura.
Entretanto, o populismo aproveita o vazio para propor as suas próprias mistificações: uma revolução de baixo para cima, um corpo ainda sem cabeça, içado por um entusiasmo anónimo, incoerente, mas real. A sede do novo constitui a sua real força, mesmo que nada de novo traga consigo. O regime precisa de resultados e também precisa de sorte. E sobretudo precisa de fugir da demagogia, do truque, do talento espertalhão, orientado para a popularidade junto do sector mais boçal da opinião que, com cinismo e indecoroso alívio, imagina maioritário. Se o palco for exclusivamente tomado por populismos em competição, o velho não sobreviverá ao apelo do novo.
. Sérgio Sousa Pinto
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