poema a umas mãos

Foram as mãos. Aquelas mãos brancas, pequenas e delicadas, que numa manhã de Inverno me seduziram e encaminharam o olhar para aquele rosto sereno, angular, com uma boca distinta e uns olhos escuros enormes. Fiquei impressionado.
Meses depois, exposta, ali, à minha frente, com risos largos que revelam a beleza de uma boca povoada de perfeitos e alvos dentes, e os mesmos lindos e brilhantes olhos que lhe iluminam o rosto, por vezes misterioso, traindo naquele momento a fugaz emoção da experiência nova, a curiosidade e, até, alguma insegurança, frente à luneta mágica que a explora, eis que de repente me atinge em cheio.
Acertou mesmo no meio de mim. Com toda a brutalidade. Foi faca, foi bala, foi bomba, foi mais, foi um autêntico aríete que me implodiu o ser.
E foi ela, também, talvez com o olhar hipnótico, que me reconstruiu outro. Um novo ser, com um novo olhar, escravo de uma nova e profunda paixão, mais profunda do que qualquer alicerce de qualquer muralha de qualquer castelo. Uma avassaladora paixão, como jamais sentira.
… E nos dias seguintes milhões foram as facas que se enterraram no meu peito. Sucumbi, ajoelhado, vergado sobre a força que me constringe este peito, possuído por esta angústia medonha que me cerca, implacável, como uma escuridão insidiosa.
Nos dias seguintes andei errante, caminhando pelas ruas da cidade, às voltas, procurando, por não saber dela. De onde vinha, onde estava. E, gradualmente, uma monstruosa inquietude foi-me invadindo até à mais pequena molécula de mim, e a todas as partes de mim. E respirar era difícil. E parar era impossível. E queria chorar. Queria, tanto, conseguir chorar. Chorar com toda a força. Mas as lágrimas não fluíram. Não houve gotas para refrescar esta caminhada ao calvário.Perdi-me do que era antes e, assim, perdido, ando. Não me reencontrei ainda. Nem sei o que sou agora.… Neste estado de profunda catarse agarrei um lampejo de impulso racional e estabeleci o plano, diabólico, de assassinar esta paixão que me consome. Exorcizá-la. Não me escondendo, nem a evitando a ela, a das mãos lindas. Antes, procurando a sua companhia para primeiro, acalmar o turbilhão em que me transformara e para depois poder reconstruir uma realidade. A realidade da impossibilidade. Assim, afogo ilusões que acredito não poder transformar em vida nova. Numa nova vida. E recordo o poema que pede ao tempo para voltar atrás. Vã ilusão, confirmo. E sofro…tanto.…
E hoje vejo-a. Sem a procurar, é ela que vem, e sorrio-lhe, e sorri-me. Falamos. Mas não destas coisas, que ignora completamente. Toca-me suavemente no braço, como quem acaricia uma pena, com uma daquelas mãos que adoro, pequena, alva e delicada, para se aproximar e espreitar um postal que admiro. E o quinto dia do meu novo ser consome-se nesta efémera tranquilidade. Mas a dor continua, aqui, mesmo no cimo do peito, profunda, dominadora, esmagadora.
E as lágrimas continuam a não correr. E precisava tanto delas, para drenar este sofrimento que me consome, tanto como os áridos campos de hoje clamam por gotas providenciais que os venham aspergir e salvar da impiedosa seca. Assim mesmo.... Agora sossego um pouco. Tenho a promessa de tocar as mãos. Aquelas mãos brancas, pequenas e delicadas. De as pintar, gravar na tela onde poderei admirá-las, para sempre.E depois, … não sei. Talvez me reencontre, ou talvez fique perdido para sempre nesse limbo, para onde Afrodite me expulsou.

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