Serão sempre mistérios insondáveis, autênticos enigmas que envolvem a tragicomédia caseira de um gajo a tentar evitar sujar-se com pingos de qualquer acepipe fluído. Nunca entenderei isto. Acho, mesmo, que a compreensão de tais mistérios nunca estará ao alcance dos homens. Não estamos preparados para tanta sapiência. Mas, se conseguíssemos atingir esse conhecimento, acredito que alcançaríamos a chave de todo o saber e, muito provavelmente, a revelação de que o Universo não é o imenso paradoxo que afigura. Daí, manter-se tal segredo na posse exclusiva do demiurgo. É compreensível.
Juro que desta vez tive cuidado! Fui previdente. Retirei as amoras da tigela grande com todo o cuidado, usando uma colher de sopa, e transportei-as aos pares, em deslocação a baixa altitude, para uma taça de vidro colocada ali mesmo ao lado – reparem que escolhi o vidro para poder vigiar in extremis toda a operação. Desta vez, fiz tudo como deve ser. Recolocada a tigela no frigorífico, peguei na taça repleta daquelas pseudobagas, que mais não são do que dezenas de drupas agregadas, muni-me de um garfo de sobremesa – resistindo ao impulso de espetar algumas pelo caminho –, e voltei para defronte dos computadores. À medida que a conversa com o Armindo ia decorrendo no Messenger, lá me ia regalando com o intenso sabor dos minúsculos e negros frutos, indiscriminadamente trespassados pelo subtil garfinho. De repente, uma ideia assaltou-me, e, com ela um arrepio percorreu-me a retaguarda. Ah… ah… ergui os braços, evitando tocar no quer que fosse, levantei-me e encaminhei-me para a casa de banho. Sem parcimónias recorri ao gel mais dispendioso que por lá havia e lavei as mãos meticulosamente. Despi a camisa do pijama de Verão e regressei com um sorriso triunfal à cadeira de empreita que serve o serviço computacional. Agora queria ver como é que o raio das amoras me iam tingir a roupa. Hehehehe… Tinha-as lixado. Confiante, retomei o ritmo das opíparas garfadas.
Nem demorou dois minutos, ou umas cinco linhas do diálogo acerca das críticas à minha recente publicação – sim, vai ser lançada na próxima semana mas já conta com recensões de insignes literatos. Mas quais dois minutos? aquilo foi só o tempo de reposicionar no cérebro as coordenadas dos caracteres do teclado e, quando confirmava que o “f” se encontra entre o “d” e o “g”, deparei com dois malditos pingos na barra de espaços. Arregalei os olhos e suspendi toda a actividade digital – e desconfio que, cerebral também. Horror dos horrores, ao varrer, em rápida panorâmica mental, o tabuleiro alfabetiforme, descobri mais vestígios da penetrante tonalidade arroxeada. Desta vez eram traços imprecisos, como micro rastos, plasmados em mais umas tantas teclas. Olhei para os dedos e fiquei completamente estupefacto. Estavam sujos! Mas como, meu Deus? Como, se nem toquei no raio das amoras? Absolutamente atónito, demorei no regresso ao mundo do teclado e dos dedos maculados e da conversa a que tardava responder. Isto não é possível! Isto não está a acontecer.
Vocês compreendem o meu alvoroço, não?! É que nódoas de amoras, romãs, nêsperas e coisas que tais dão direito a imediata discussão com 50% da camada associativa, qual estardalhaço em assembleia de sócios do Benfica. Mas eu continuava a não perceber como acontecera aquilo. Um relâmpago de lucidez, a experiência da meia-idade, o bom senso, ou a prudência, ou tudo isso nas doses certas, ditaram uma retirada táctica para a cozinha. Não sem antes explicar ao interlocutor internauta o desastre ocorrido – com consequente agravamento dos resultados, pois ainda espalhei a moléstia por outros caracteres do tabuleiro plástico.
Claro está que conclui o consumo das amoras dobrado sobre o balde do lixo. Com os poderosos detergentes da cozinha procedi à remoção das marcas da maldita tintagem e desisti de repetir a dose – contrariando os planos iniciais -, optando antes pelas uvas, fruta mais pacífica. Ah… mas muito mais pacífica, mesmo, meus senhores.
Retornado aos computadores (no plural, pois, de facto uso dois desktops, um para a net e o outro para os trabalhos fotográficos e textos mais sérios). O segundo choque gastronómico da noite sobreveio quando deparei com um estranho olho que me observava a partir da parte central dos boxers apijamados. Ali estava, um ser ciclópico de olho escuro mirando-me a partir de uma posição geográfica notoriamente particular e íntima, como uma malha de circunferência perfeita, uma mancha, um borrão, uma mácula… UMA NÓDOA DE AMORA!!!
Não sei o que é que vocês acham, mas eu estou convencido que ontem à noite aconteceu qualquer coisa estranha no Universo.
13 comentários:
o seu problema foi o uso da tijela de vidro: quanto mais alta é a expectativa de um bom resultado, pior é o resultado; e o vidro, também já não é o que era
talvez maria, ou talvez tenha deixado aberta a boca, enquanto esmagava alguma inocente e indefesa amora, ou talvez tenha deixado escorrer o xarope pelo corpo do garfo até me tingir os dedos... quem sabe?! deixemos permanecer o carácter misterioso do incidente, ou o post perde a sua razão de ser. E, de qualquer forma, já não é possível investigar o cenário do "crime". A menos que contrate o CSI e, perante uma reconstituição, se chegue a alguma conclusão.
;)
precisamente, o Gil Grissom ou observaria cuidadosamente os factos ou utilizaria o pensamento divergente; um destes foi o que eu tive ao considerar a hipótese de vidro ( da taça ) degradado, a deixar escorrer o conteúdo; e os factos podem não ter sido todos apresentados, por exemplo que a sua mão não estava suficientemente firme para a tarefa ( espero que não seja cirurgião )
Não, Maria, não sou cirurgião. A menos que possamos considerar a estripação de um gafanhoto aos 7 anos - meus, não dele que, presumo, não atinjam essa idade - como experiência curricular de cirurgia. Em todo o caso, a mão firme faz-me falta para a Fotografia do quotidiano. Não me parece que tenha ocorrido titubeação dessa natureza. Como disse, mais vale deixar a resposta no vazio do Universo, até que um cosmoarqueólogo depare com ela acidentalmente.
E o teu blogue, existe?
existe, mas fala de gafanhotos, coisa de que me não orgulho por aí além; é por isso que reajo sempre que me atiram com o mistério das coisas
Ohhh... mas o mundo dos insectos é coisa fascinante. Sempre que mudamos a escala o Universo muda, também. Bem podias partilhar isso.
;)
essa escala a que te referes mudou quando acabaste de esventrar o ortróptero saltitante? os antigos liam destinos fantásticos nas entranhas -- a tua epifania aconteceu quando?
Tão concretamente somos gigantes, por vezes ameaçadores - demasiadas vezes violentos-, como tão rápido somos como que formiguinhas - assim vos vejo quando levanto voo e pairo lá por cima, apenas escutando o vento nas asas. Não há gritos de fúria, buzinas, sons de feira... e sois tão pequeninos, então. Nesse momento, o Universo é outro.
Essa revelação nunca aconteceu, Maria. Bem que a procurei nos Mundos Esquecidos do Robert Charroux, no Triângulo das Bermudas, na base dos gigantes da Ilha da Páscoa, na Cabala e em duas ou três pedras de catedral (por indicação do Fulcanelli), nem no fundo de um caldeirão, instrumento necessário à prática das receitas do Livro de S.Cipriano. Nada.
Tá claro, nessa altura não me lembrava de procurar no sítio certo. Agora, ando cá por dentro, observando, e vou encontrando coisas interessantes.
;)
o que é que vais encontrando? não é justo deixares-me em suspenso...
Francisco, há duas coisas que deves saber para comer esse tipo de frutos: primeiro é que sujam sempre, mas sempre, senão não são bons.
segundo é que os deves comer sempre com as mãos, uma vez que quando comidos com as mãos as gotas nunca caem para a frente, mas escorregam pelo braço fora (e aí tens a oportunidade de te dar conta delas, e das limpares antes de fazerem nódoa).
para que não penses que isto não é um mistério do universo, quem me contou isto (e garanto que resulta), foi um velho indio, uma vez em que me viu a debater-me com o mesmo problema. o que ele me disse é que era natural eu sujar-me, pois esses frutos pequenos e sumarentos, são partes da mulher; só devem ser tocados com as mãos e os braços servem para ampará-las quando saem de si um pouco ;)
O "natural" era porque sendo eu mulher, evidentemente não saberia como tratar uma lol :))
bahahaha... grandes ensinamentos nos dão os velhos, vanus. fizeste-me lembrar um que dizia: - Neto, escolhe-as com elas grandes, porque o resto, têm todas. (coisas da planície alentejana, tá claro, onde as protuberâncias têm um valor especial).
;)
Não passas é de um gradessíssimo porcalhão. E inventas estas macaquices para justificares a roupa suja.
Porco!
Eu gostava de ver-te a comer amoras, ó zarolho intermitente.
Depois veríamos quem é o porcalhão.
;p
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