questões de armamento

«Antes que a ideia de Deus esmagasse os homens, antes dos autos de fé, das perseguições religiosas da Inquisição e do fundamentalismo islâmico, o Mediterrâneo inventou a arte de viver. Os homens viviam livres dos castigos de Deus e das ameaças dos Profetas: na barca da morte até à outra vida, como acreditavam os egípcios. E os deuses eram, em vida dos homens, apenas a celebração de cada coisa: a caça, a pesca, o vinho, a agricultura, o amor. Os deuses encarnavam a festa e a alegria da vida e não o terror da morte.
Antes da queda de Granada, antes das fogueiras da Inquisição, antes dos massacres da Argélia, o Mediterrâneo ergueu uma civilização fundada na celebração da vida, na beleza de todas as coisas e na tolerância dos que sabem que, seja qual for o Deus que reclame a nossa vida morta, o resto é nosso e pertence-nos - por uma única, breve e intensa passagem. É a isso que chamamos liberdade - a grande herança do mundo do Mediterrâneo.»

Saramago apanhou das brigadas de defesa da “religião imoral” às contas do “Caim”. Já o Miguel Sousa Tavares, esse poço de sabedoria etilizada – que, formalmente, até escreve melhor do que o Saramago, veja-se o texto acima –, foi poupado às avantesmas. Claro, o Saramago vinha com o Caim, uma espécie de indigente andrajoso que, no máximo, contaria por arma algum calhau encontrado no caminho, enquanto o Miguel trouxe o David Crockett, um gajo vestido de peles e armado com o seu fuzil de caça. Nestas coisas, o tipo de armamento faz toda a diferença.

2 comentários:

A OUTRA disse...

Pois faz, sim senhor, e se faz...!
Vou ler o "Times"... já volto.
Maria

Josefina Maller disse...

O texto está muito bem escrito, e diz algumas verdades. Mas não podemos esquecer-nos de que essa mesma civilização da liberdade, foi erguida com o trabalho escravo. Até o mais democrático dos senhores tinha uma catrefada de escravos. E essa é a grande nódoa negra dessa civilização brilhante!