reacender lampiões?

Cahia o crepusculo sobre o escampado arido e esbrazeado daquelle recanto sertanejo do Estado do Ceará, ao pé da serra do Araripe: o engenho de rapadura Boa-Vista, a cinco Leguas da cidade de Missão Velha, quando o sr. José Alves Feitosa ali chegou.
Um crepúsculo doloroso, sertanejo, manchando a paisagem de sombras e diffundindo uma melancolia por tudo…
Gentis e acolhedores, os senhores de engenho o receberam, prodigalisando-lhe o conforto de uma hospedagem, onde elle repousaria da viagem exhaustiva.
Ahi, foi que se aproximou de Lampeão.
Este assomara, á porta, desarmado, fitando o recem-chegado, que o interpelou logo:
- É o capitão Virgulino Ferreira?
- Às suas ordens.
- Já o conhecia através de photographias.
- Ah! Foram esses retratos de que o sr. Fala, que me inutilisaram. Si não tivesse deixado photographar-me, seria desconhecido e já poderia ter desapparecido, sumindo-me no mundo, indo para longe, ganhar a vida tranquilamente, sem attribulação dessa angustia constante de ser perseguido…
- E o sr. É perseguido? Dizem na capital que a polícia…
- … não persegue, porque sou amigo dos oficiaes. É verdade, mas, ainda assim, as trahições, o sr. comprehende.
No ano passado, Isaías Arruda, meu grande amigo, chefe político cearense, surpreendeu-me numa localidade deste Estado com um cerco policial terrível de que me livrei não sei como.
Estas cousas são que magoam…
Uma trahição, o diabo!
Gosto dos oficiaes e odeio os chefes de polícia.
(…)
- Disse-me, há pouco, que se pudesse abandonaria o cangaço…
- Sim. Por que eu não vivo a vida do cangaço, por maldade minha.
É pela maldade dos outros, dos homens que não têm coragem de lutar corpo a coprpo como eu e vão matando a gente na sombra, nas tocaias covardes.
Tenho que vingar a morte de meus paes. Era meninote quando os mataram. Bebi o sangue que jorrava do peito de minha mãe e, beijando-lhe a bocca fria e morta, jurei vingal-a…
É por isso, que de rifle ás costas, cruzando as estradas do sertão, deixo um rastro sangrento, na procura dos assassinos de meus paes.
(…)
Apertando as mãos hospitaleiras de Rosendo, o dono da rústica engenhoca o monarcha sanguinolento dos sertões tomou a estrada poeirenta para as incertezas do seu destino.

In “ A palavra de Lampeão – O monarcha selvagem dos sertões”, Jornal O POVO, de 4 de Junho 1928, citando a entrevista dada pelo cangaceiro ao Jornal “A NOITE”, de Recife.

(foto de wikipédia)

A 27 de Julho de 1938 o bando acampou na fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe, onde foi cercado por uma força policial móvel (volante). O ataque durou uns vinte minutos, e dos trinta e quatro cangaceiros onze morreram ali mesmo. Lampião foi um dos primeiros. A força volante, seguindo o costume da época, decapitou Lampião, bem como a sua companheira, Maria Bonita (que ainda estava viva quando a sua cabeça foi degolada), e outros 9 membros do bando. Um dos policias desferiu uma valente coronhada na cabeça de Lampião, deformando-a e contribuindo para a lenda de que o cangaceiro não havia sido morto, e escapara da emboscada, tal foi a modificação causada na sua fisionomia.

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